segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

FICAR EM CASA É A FORMA MAIS LÚCIDA DE RESISTÊNCIA

O silêncio do lar é o único lugar onde a gente ainda consegue se ouvir


 

         ·         Observação: Eventualmente, ao ler um texto ou assistir a um vídeo com o qual me identifico bastante, tomo a liberdade de compartilhá-los. Conheço o perfil dos meus seguidores e considero que conteúdos - como este extraordinário texto de Lucas Borges - se encaixam no propósito do blog Consciência, www.tomsimoes.com As máximas ‘Só é útil o conhecimento que nos torna melhores’ e ‘Só sei que nada sei’ refletem essencialmente a filosofia de Sócrates, enfatizando a importância da humildade intelectual e da busca pelo conhecimento verdadeiro. Ele julgava não saber e demonstrava que o conhecimento verdadeiro não se baseia em opiniões ou crenças, mas em questionamento racional e sensato, envolvendo perguntas estratégicas que estimulem o pensamento crítico e reflexivo. Tom Simões

 

Eis o texto de Lucas Borges: 

“Quando se pensa em posicionamentos ‘antissistema’, a imagem que surge é geralmente a de conflito, protestos, contêineres em chamas e o caos generalizado. No entanto, alguns dos discursos mais politicamente incorretos dos últimos tempos nos convidam a uma revolução surpreendentemente silenciosa: ficar em casa, reduzir o consumo, entediar-se e mergulhar no silêncio.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han - laureado com o Prêmio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2025 e autor de obras como ‘A Sociedade do Cansaço’ e ‘Vida Contemplativa: Elogio da Inatividade’ – propõe uma forma de rebelião contra a sociedade atual que começa por permanecer no próprio lar.

Byung-Chul Han, também ensaísta e professor da Universidade de Artes de Berlim, estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Sua tese principal é o abandono da vida hiperativa em favor do equilíbrio e do sentido, fugindo da autoexploração no tempo livre, da exposição incessante nas redes sociais, e apostando no descanso, no silêncio e na vida contemplativa como fuga da engrenagem que leva à exaustão.

 

Seu lar, seu refúgio 


Em meio às suas críticas do desempenho da sociedade em todas as esferas, a defesa que Han faz do lar e da passividade é notável. Em suas palavras, “ficar em casa é a forma mais lúcida de resistência” porque se trata de uma rebelião contra o imperativo de ser produtivo a todo momento, uma verdadeira ‘greve’ contra as exigências sociais.

O autor explica que o capitalismo atual abomina o vazio e o silêncio, incutindo em nós o medo de ‘horas mortas’ dentro de casa, sem um registro digital para provar o que estamos fazendo. Contudo, para Han, é exatamente nesse tempo ‘improdutivo’, anônimo e silencioso que alcançamos a soberania.

Não se trata de romantizar o isolamento ou se entrincheirar em casa, mas sim de defender o direito ao ‘silêncio sem culpa’ e transformar o lar em um bastião de liberdade, onde é possível viver sem prestar contas a ninguém, sem testemunhas e sem sucumbir às demandas do mercado.

 

Transformando a filosofia em cotidiano: a ‘hogarterapia’

 

A mensagem de Byung-Chul Han pode ser concretizada por meio da ‘hogarterapia’ (terapia do lar), definida como a criação de um lar saudável, equilibrado e feliz, que proporcione uma vida mais plena e significativa. A ‘hogarterapia’ também é conhecida como psicoterapia domiciliar, que permite que o paciente receba o tratamento em casa.

Nossas casas não representam apenas os limites físicos onde dormimos e comemos. Nossa casa representa um exoesqueleto, como a concha do caracol, e pode ser transformada em um ‘templo’, um refúgio de regeneração e paz capaz de trazer bem-estar e impulsionar qualquer área da nossa vida.

Ao converter a residência em um ‘lar consciente’ e reacender o ‘fogo’ do lar, é possível recuperar todo o potencial e magia ancestral ali contidos. A partir de um lar consciente, é possível preservar a saúde, descobrir o propósito de vida, encontrar a calma em meio ao estresse, inspirar-se, praticar o autocuidado e o cuidado mútuo, manter relações saudáveis, aumentar a produtividade profissional e pessoal, gerir as finanças pessoais e, de forma holística, experimentar um venturoso bem-estar.

 

Lar, doce bem-estar

 

Embora Byung-Chul Han se concentre no recolhimento como um ataque ao excesso de ruído e imposições externas, a verdade é que sob a proteção do lar é possível realizar muitas ações produtivas.

Kankyo Tannier, autora de A Magia do Silêncio, defende que “ficar em casa não significa ficar parado” e que “quanto melhor a gente se conhece, menos teme ficar a sós consigo mesmo”. Já Marie Kondo, expoente mundial da organização terapêutica e autora de quatro livros sobre organização pessoal, sugere ‘desabafos criativos’ para atividades que agradam, distraem e nos reconectam com a bússola interior.

Em meio às agendas lotadas, onde parece haver tempo apenas para o trabalho e tarefas domésticas, há uma terceira dimensão de ‘lar e talento’ ou ‘lar e bem-estar’. É nesse espaço que podemos ser autênticos, desdobrar nossas asas, fazer ou não fazer sem dar explicações e, finalmente, se reconectar consigo mesmo.

 

Algumas sugestões de autocuidado e prazer na intimidade do lar

 

  • Criar um ambiente afetuoso ao acordar, sem pressa. Se precisar madrugar, vá para a cama cedo; o corpo pode se acostumar a despertar mais cedo e descansado, evitando o despertador.
  • Criar pequenos ‘oásis de silêncio’ ao longo do dia.
  • Desfrutar de um café ou chá com plena atenção (mindfulness) ao que está acontecendo ao redor e interiormente, com curiosidade, aceitação e agradecimento.      
  • Praticar o journaling (diário terapêutico), registrando pensamentos, sentimentos, reflexões e eventos diários em um caderno ou diário digital. Trata-se de uma ferramenta importante para o autoconhecimento, gestão de emoções e crescimento pessoal.
  • Criar uma mandala (representação visual com formas e cores variadas, geralmente em formato circular, que possui um valor espiritual), por exemplo.  
  • Tricotar ou bordar, mergulhando no craftfulness (num contexto mais amplo, refere-se a atividades artesanais envolvendo técnica, criatividade e esforço manual, promovendo a expressão pessoal e conexão com a natureza).    
  • Brincar com filhos ou entes queridos, sem limite de tempo. Segundo Byung-Chul Han, ‘Nós nos matamos para ser produtivos, mas o homem nasceu para brincar, não para trabalhar’.   
  • Seguir um ritual prazeroso de ‘apanhador de sonhos’.
  • Planejar sua agenda e próximas semanas com gentileza e recompensar os avanços.
  • Ler e/ou estudar apenas por prazer.
  • Cozinhar uma boa receita atentamente.
  • Desfrutar de um ‘spa caseiro’.

 

Embora talvez não denominemos essas atividades de ‘resistência’, termo utilizado por Byung-Chul Han, trata-se, inegavelmente, de uma forma de reconciliação com o próprio lar e de alquimia (transformação, metamorfose, no sentido espiritual) em nossa vida cotidiana”, finaliza Lucas Borges.

 

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