domingo, 14 de junho de 2020

FELICIDADE GENUÍNA: O OBJETIVO FINAL...


“EU só aprendi isso agora. Eu só percebi agora que uma cortina amarela em casa é uma dimensão fundamental da felicidade. Uma coisa tão ridícula, mas tão simples que a gente só senta ali. Recebe um amigo, faz um jantar e só sente aquele momento e a gente pensa: ‘Não é necessário ganhar prêmios, não é necessário ter televisão, seja o que for. [...] Não sou um homem rico. A maior parte do dinheiro que tenho doo para pagar dívidas de pessoas amigas. Não tenho coisas caras. Se o acaso me matar, já não importa muito porque minha vida já valeu muito a pena.”


              
Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, 27 de maio de 2020


O QUE constitui a felicidade é uma questão a ser debatida, escreveu Aristóteles, filósofo grego, ‘e o que o povo pensa sobre ela não é o mesmo que os filósofos’. Eu penso que as pessoas costumam confundir ‘prazer’ com ‘felicidade’. ‘Prazer’ é a sensação ou emoção agradável resultante da satisfação de uma vontade ou   necessidade; uma alegria, contentamento ou diversão temporários. Já o significado de ‘felicidade’ é mais amplo, tem a ver com o que está além dos nossos sentidos, com a permanência de algo sublime. ‘Sublime’ diz respeito ao que transcende o aspecto humano, ao que não é ordinário, comum; ‘sublime’ expressa a conexão com algo elevado.
  
“O prazer é uma experiência individual, centrada no eu, que pode com facilidade deteriorar-se em egoísmo e entrar em conflito com o bem-estar dos outros. Na intimidade sexual, é claro que pode haver prazer mútuo no dar e receber sensações prazerosas, mas esse prazer só pode transcender o eu e contribuir para a felicidade genuína se a natureza da mutualidade e do altruísmo generoso estiver no seu âmago”, cita o artigo ‘Prazer e felicidade: por que confundimos tanto os dois?’, http://www.budavirtual.com.br/felicidade-e-prazer-confusao/ É possível sentir o prazer à custa de outra pessoa, mas isso não traz felicidade. O prazer também pode estar associado à crueldade, à violência, ao orgulho, à ganância e a outras condições mentais que são incompatíveis com a verdadeira felicidade.

Como explica Ermance Dufaux, em sua obra ‘Reforma íntima sem martírio’, “...desorientada pelo cansaço de não encontrar respostas lúcidas e satisfatórias para sua meta de júbilo e harmonia, a maioria das criaturas rende-se às propostas humanas de prazer como sendo a alternativa que mais fácil e rapidamente lhe permite obter alguma gratificação, ainda que passageira”.

“A felicidade tem sua origem nas palavras ‘fértil’ e ‘frutífero’. O que frutifica nos faz bem. Plantas, árvores, ideias, filosofias, trabalho, propostas e assim por diante – todos esses elementos podem deixar alguém feliz”, observa a monja budista Coen.  

Em sânscrito (língua ancestral do Nepal e da Índia), a palavra ‘sukha’ significa estar feliz permanentemente. Para experimentar o estado ‘sukha’ é fundamental saber diferenciar o ‘ser’ do ‘ter’, e iniciar o processo de transformação diária, como uma bateria, que a gente recarrega diariamente. Como o corpo físico, os corpos mental e emocional também precisam ser alimentados diariamente. Uma doença, antes de ser física, é emocional e mental. Portanto, ‘sukha’, a felicidade pura, é um estado de ser, o bem-estar duradouro, harmonia em nossa natureza interior.

A felicidade pura (também se diz genuína ou verdadeira) tem a ver com ‘solitude’,  ou quietude, ou seja, o ato de estar quieto consigo mesmo. Ao contrário de solidão, que tem o sentido de ‘vazio’ - a falta de algo na vida. Quando a solidão está presente, começa-se a buscar externamente o que deveria ser preenchido internamente. Já solitude é uma sensação de paz na alma. Ela é fruto da autoconsciência e do amor incondicional. Quem descobre a solitude não sente receio de estar sozinho, no prazer da própria companhia. E se basta, na plenitude do seu ser. ‘Plenitude’ significa completo, o estado de quem atingiu a medida máxima.




(1808-1889, romancista francês) 



Portanto, o prazer, a tal felicidade ilusória, depende de circunstâncias que, com muita frequência, estão além do nosso controle. Ele é artificial, como a felicidade oferecida pela mídia. Já a felicidade genuína é tida como ‘a paz imutável do sábio’.

Sâmia Aguiar Brandão Simurro é psicóloga e mestre em Neurociências e Comportamento pelo Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, uma especialista no assunto, como a felicidade tem sido percebida como uma ciência, existem caminhos reais para se chegar lá. Para Sâmia, a felicidade tem a ver com as expectativas individuais e a autorrealização. O problema é quando confundimos o prazer com a felicidade. “O prazer traz a sensação imediata de bem-estar, mas não se sustenta; esta é a primeira regra da busca pela verdadeira felicidade”, diz a psicóloga.

“Não é o que entra no homem através dos sentidos físicos que o faz feliz. Não é a música, o perfume, o toque suave, o sabor agradável, a paisagem deslumbrante. Nada disso o faz feliz. Ele pode sentir-se bem se estiver receptivo a isso. Mas o que o faz verdadeiramente feliz independe do exterior. O que o faz feliz é o que ele exterioriza, o que ele oferece ao mundo, o que ele dá de si mesmo, o que acrescenta aos que convivem com ele, o que ele faz do seu universo particular”, escreve Morel Felipe Wilkon, www.espiritoimortal.com.br        

Eu costumo usar este exemplo: uma pessoa cujo sonho é conhecer Paris, digamos. Ela sofre por não ter condições financeiras para viajar. E se queixa com a vida. Então um dia consegue realizar o grande sonho. Mas, passado o tempo, substitui aquele sofrimento por outro: conhecer a Itália. E assim sucessivamente. Portanto, conhecer Paris foi um prazer temporário. Assim que realizado, passou a ser substituído por outros.  

Só cabe na definição de ‘felicidade genuína’ a satisfação sustentável, ao contrário do ‘prazer’, que tem prazo de permanência, de validade. A pura felicidade excede todo o conhecimento. Ela é verdadeiramente indefinível, como a plenitude. Felicidade tem a ver com realização humana. E com comunhão consigo mesmo e com os outros. Porque precisamos de comunhão para ser completos.


De acordo com a enciclopédia Wikipédia, a felicidade é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude estão ausentes. Abrange uma gama de emoções ou sentimentos que vai desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo. A felicidade tem ainda o significado de bem-estar espiritual ou paz interior. Existem diferentes abordagens ao estudo do significado da palavra felicidade, definidas pela filosofia, pela religião e pela psicologia. O homem sempre buscou a felicidade. Filósofos e religiosos sempre se dedicaram a definir sua natureza e que tipo de comportamento ou estilo de vida levaria o indivíduo à felicidade plena.


John Lennon, 1940-1980: cantor, compositor e ativista da paz britânico, integrante de ‘Os Beatles’.




Por experiência própria, eu acredito que a felicidade pura está alicerçada na essência do ‘amor incondicional’. Como define o ‘Dicionário informal’, o amor incondicional é tão divino que o humano tem dificuldade até de compreender a expressão. “É o caminhar na vida levando compaixão, compreensão, perdão, tolerância, desapego. É dar valor ao que realmente tem valor, é não ficar preso a palavras, gestos, fatos, eventos, situações emocionais; é relevar as mágoas, as injustiças, as decepções vividas no cotidiano. É compreender que tudo isso é muito pequeno comparado à grandeza da alma, à grandeza da vida...” Em sua obra ‘O Ponto Alfa’, escreve o escritor Anthony Strano: “Através da história, pode-se ver que as pessoas genuinamente espirituais, que tiveram tal amor por Deus, normalmente expressaram-no através do desejo de servir. Se alguém ama, ele doa”.

O amor incondicional é uma relação altruísta, de reciprocidade desinteressada, ao contrário de uma relação de posse. Ele contribui para nossa satisfação profunda e permanente. Não é por ter deixado de apreciar viagens, que eu, Tom Simões, imobilizo as pessoas de quem gosto, com quem convivo. Isto seria egocêntrico. Então, incentivo minha esposa a viajar com amigas. E fico muito feliz em vê-la feliz, é como se eu estivesse em plena viagem, encantado com todas as novidades. Poucas pessoas podem compreender.



Amor apaixonado: desejo obsessivo


“O desejo obsessivo que costuma acompanhar o amor apaixonado deturpa a afeição, a ternura e a alegria de apreciar e compartilhar a vida com alguém. Ele é o oposto do amor altruísta. Surge de um egocentrismo doentio que acarinha a si mesmo no outro ou, ainda pior, busca construir a própria felicidade às expensas do outro. Esse tipo de desejo só quer se apropriar das pessoas, dos objetos e das situações que o atraem para ter controle. Considera a atração como uma característica inerente àquela pessoa, cujas qualidades ele amplia, enquanto subestima os defeitos”, relata o monge Matthieu Ricard, no livro ‘Felicidade’.

O cérebro de Matthieu, Ph.D. em Genética Molecular, foi estudado por cientistas da Universidade de Wisconsin, EUA. O grupo de cientistas constatou que esse monge apresentava um alto nível de ondas gama (de emoções positivas) - no córtex pré-frontal esquerdo, local associado à felicidade e à alegria -, sem precedentes na literatura científica. Matthieu é considerado o homem mais feliz do mundo. 






A paixão romântica é um tipo de cegueira.  Eis como o dicionário define paixão: “Um amor poderoso, exclusivo e obsessivo. Afetividade violenta que atrapalha o julgamento. Ela é alimentada pelo exagero e pela ilusão e insiste em que as coisas sejam outras, diferentes de como realmente são. Como uma miragem, o objeto idealizado é insaciável e fundamentalmente frustrante”.

Para Matthieu, na ausência da liberdade interior, qualquer experiência sensorial intensa engendra apegos e nos subjuga cada vez mais. Ser desapegado não significa que amamos menos a pessoa, mas que não estamos centrados no amor por nós mesmos, nos escondendo no amor que dizemos sentir pelo outro.  

Amamos o outro por aquilo que ele é e não através da lente distorcida do egocentrismo. Em vez de ficarmos apegados ao outro, temos que ter em mente a felicidade dele; em vez de esperar que ele nos traga alguma gratificação, podemos apenas receber o seu amor com alegria, doando reciprocidade.

E depois podemos ir ampliando e estendendo esse amor. É preciso ser capaz de amar todas as pessoas incondicionalmente. “Amar um inimigo – isso é pedir demais?”, provoca o monge. Ele mostra que esse empreendimento pode parecer impossível, mas baseia-se em uma observação muito simples: a de que todos os seres, sem exceção, querem evitar o sofrimento e conhecer a felicidade. O amor altruísta genuíno é o desejo de que isso possa se realizar. Se o amor que oferecemos depende do modo como somos tratados, nunca seremos capazes de amar nosso inimigo. No entanto, é certamente possível ter a esperança de que ele pare de sofrer e seja feliz!   

Como conciliar esse amor incondicional e imparcial com o fato de que temos na nossa existência relações preferenciais com certas pessoas? Matthieu toma o sol como exemplo. “Ele brilha para todos, com o mesmo calor e a mesma claridade, em todas as direções. Mas há seres que, por diversas razões, se encontram mais perto dele e que, por isso, recebem mais calor. Mas em nenhum momento essa situação privilegiada é uma exclusão. Apesar das limitações inerentes a qualquer metáfora, compreendemos que é possível gerar em si mesmo uma bondade a partir da qual chegamos a olhar para todos os seres como se fossem pais, mães, irmãos, irmãs ou filhos”.   

O apego é nocivo na medida em que, sem propósito algum, restringe o campo de ação do amor altruísta. O amor altruísta é a mais elevada expressão da natureza humana, quando essa natureza não é viciada, obscurecida e distorcida pelas manipulações do ego. O amor altruísta abre uma porta interior que torna inoperante o sentimento de importância de si mesmo e, portanto, também o medo desaparece. Ele nos permite doar alegremente e receber com gratidão.


 autor desconhecido 



Com o passar do tempo, os casais vão se tolerando cada vez menos. Surgem os eventuais desentendimentos. Pode acontecer de uma das partes ser mais passível de tolerância, mas isso não é regra geral, e os conflitos vão se acumulando, culminado com as discussões. Porque um sempre se acha dono da razão (ou ambos). Por isso, haver uma parte mais moderada, sensata, capaz de não revidar eventuais ofensas, é essencial para evitar o conflito. Feliz daquele(a) que consegue se manter em silêncio em circunstâncias estressantes. A discussão, a busca por culpados, acentua o desentendimento, enquanto o silêncio de uma das partes pode levar o outro à autorreflexão.

Quando o indivíduo experimenta o amadurecimento pessoal e espiritual, consciente do que é o amor incondicional, ele consegue lidar melhor com as possíveis discordâncias, respeitando sempre o lado oposto. Evita inclusive discutir com o(a) outro(a), ainda que a razão lhe favoreça, por reconhecer o quanto é desagradável o desentendimento conjugal, com ambos se sentindo contrariados. Isso inclusive para evitar o que vem depois: o período da revolta, da expressão emburrada, logo seguido pelo arrependimento e constrangimento.

Quem tem o hábito de elogiar o(a) outro(a)? ‘Sua comida hoje está especial’. ‘Você fica muito bem com essa roupa’! ‘Ei, está triste hoje; posso ajudar’? E por aí vai... E o hábito de fazer surpresas? Preparar o prato predileto. Fazer algo inusitado para ele, para ela, algo simples, como lavar a louça, por exemplo; precisa ser algo que a pessoa não esteja habituada. Trata-se de uma iniciativa capaz de sacudir a rotina, de surpreender. E elogiar, sempre. Nada forçado, é claro! Há que se tornar uma prática regular e natural.

Independente dos cuidados que se tenha, e mesmo que o outro não corresponda, não importa. Importa o prazer de se doar, natural e desinteressadamente. Porque, sabe, quando o indivíduo desperta a consciência nesse sentido, tudo muda naturalmente. A todo instante tomamos decisões e vivemos sem ter essa consciência mais ampla. Ela desperta apenas quando questionamos o sentido da vida.

Consta em https://guiadaalma.com.br/despertar-da-consciencia/ que o despertar da consciência é um processo que permite entender o que está além do plano da existência material. “É ter a percepção que esse além não se encontra em algum lugar no céu, mas dentro de cada pessoa e só pode ser acessado por um processo interno. Cada cura feita no corpo físico e emocional nos aproxima de acessar os conhecimentos e percepções mais elevados, com a possibilidade de mudar verdadeiramente a vida e a percepção que se tem dela. Experimentando práticas holísticas, é possível sentir energia e mudanças rápidas e naturais na vida”.

Vem-me à lembrança a frase de uma amiga no Facebook, Fátima Nunes: “O maior valor da vida não está no que você tem, mas no que tem dentro de você”. E um pensamento hindu: “Faz de teus atos a tua oração”. O altruísmo pode ter mesmo efeitos benéficos na felicidade do homem.

Um estudo da Universidade de Harvard, nos EUA, reforça a ideia de que doar algo aos outros nos faz mais felizes do que receber.

No primeiro semestre de 2017, estive internado num hospital, pela primeira vez na vida, durante 50 dias, por conta de uma pneumonia. Eu tenho certa facilidade de ouvir as pessoas, uma inclinação natural. Interesso-me por suas histórias, quando sinto que posso compreendê-las e ajudá-las, de alguma maneira.  Cada vez mais, pessoas se ‘confessam’ comigo, vejam só! No hospital, uma das enfermeiras quis desabafar o relacionamento com o marido, revelando não entender sua infelicidade; ela gostaria de mudá-lo. Eu provoquei-a... “Por que não muda você seu próprio comportamento?” “Como assim, retrucou?”  
  
“Não se queixe. Não se torture”, eu lhe dizia. “Permaneça em silêncio o tempo que puder. Não cobre nada dele. O seu silêncio poderá levá-lo a refletir, a se repensar. Discreta e gradualmente vá proporcionando-lhe algumas surpresas. Que bolo ele gosta mais? E o prato preferido? Passe a elogiar algo nele, mas bem naturalmente. Vá com calma”, eu sugeria à tão gentil enfermeira. Nessa situação, é fundamental que a pessoa interessada também esteja disposta a uma mudança. E, fundamentalmente, queira zelar pelo bem do outro e não esteja focada simplesmente no próprio interesse (claro que a recíproca é verdadeira).

É difícil acreditar, imaginem! Mas após um curto espaço de tempo a enfermeira chegou certa manhã em meu quarto toda feliz, dizendo estar observando reações positivas do marido, a partir das nossas reflexões.

Ao despertar a consciência, não há possibilidade de retrocesso. Mas uma evolução produtiva. Consequentemente, a gente adquire certa responsabilidade por essa conquista divina: zelar pelos outros. Quando a pessoa desperta ao chamado ‘consciência transcendental’, ela desperta tanto na existência física quanto na dimensão espiritual. A espiritualidade se manifesta por meio de atitudes. Só assim cria-se um ciclo virtuoso de influência entre o físico e o espiritual. Querer bem, não fazer intrigas, evitar comentários não construtivos, sorrir ao cruzar com alguém, ser gentil e prestativo com quem não faz parte do nosso cotidiano, praticar regularmente a solidariedade, compreender e não revidar eventuais ofensas, são formas de cultivar o lado espiritual da existência capaz de proporcionar a paz interior. Daí é só se surpreender com as janelas que se abrem a novas oportunidades na vida.          


Albert Schweitzer, 1875-1965:
teólogo, organista, filósofo e médico alemão




Para Schweitzer, até que ele estenda seu círculo de compaixão a todas as coisas vivas, o homem não encontrará a paz, ou seja, a felicidade pura, plena.

É difícil definir, rigorosamente, a felicidade e sua medida. Investigadores em psicologia desenvolveram diferentes métodos e instrumentos que levam em conta fatores físicos, psicológicos e espirituais, tais como envolvimento religioso ou político, estado civil, paternidade, idade, renda, estado de saúde etc. Não importa qual seja nossa condição, ricos ou pobres, de que raça e gênero, religião ou outra característica, todos desejamos ser felizes.

Segundo o pensamento ético aristotélico, para chegar à felicidade pura, o homem é favorecido por possuir a razão, que o diferencia dos demais seres da Natureza. A felicidade é uma forma de contemplação, estando associada à reflexão. Por esse caminho, a felicidade também se associa à ideia da sabedoria. E se caracteriza por uma busca e um esforço de melhoria permanente que dê sustentabilidade a esse estado. Ter sido feliz ontem não significa ser feliz hoje.  

A felicidade verdadeira é um sentimento raro que origina mais prazer do que qualquer outro. A pessoa feliz se sente permanentemente confortável consigo e com o mundo ao redor. Na Grécia antiga, considerava-se a felicidade, sob o ponto de vista da lógica, como o objetivo final da existência humana.

Na língua falada pelos antigos gregos, muitas palavras eram utilizadas para definir as experiências humanas associadas à felicidade. A maioria estava associada à ideia de sorte e prosperidade. Contudo, na mitologia clássica, a palavra principal para a vivência da felicidade no grego antigo é ‘eudaimonia’. A palavra ‘eudaimonia’ é formada a partir dos vocábulos ‘eu’ (o bem ou aquilo que é bom) e ‘daemon’ (um deus, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores). Um daemon existe dentro de uma pessoa desde o seu nascimento. Para Aristóteles, a eudaimonia significa atingir o potencial pleno de realização de cada ser humano, ou seja, as melhores condições possíveis em todos os sentidos e não apenas a felicidade, mas também a virtude (qualidade do que é correto e desejável), a moralidade e uma vida significativa. 

Na etimologia, ‘eudaimonia’ está associada a um poder divino. Segundo o pensamento grego, pode-se entender também que a felicidade é um dom. Um homem feliz seria aquele favorecido por um bom ‘daemon’, o mesmo que ter sorte. Logo, a eudaimonia requeria a boa sorte. Sorte que, entendo eu, é apenas a resultante de forças favoráveis que colocamos em movimento no dia a dia.   

Tal visão se reporta a uma autossuficiência do humano. Ou seja, que cada homem para ser feliz depende de si próprio, independentemente do lugar e da situação (excetuam-se aqui situações extremas de privação da liberdade e das várias formas de escravidão). A possibilidade de atingir a felicidade está no poder de cada indivíduo - em sua consciência desperta para a inter-relação entre as várias dimensões do humano e a realização de ações construtivas em cada uma delas.  

Hoje, quando tentamos articular o propósito de nossas vidas, costumamos recorrer à palavra felicidade. Dizemos a nós mesmos e aos outros que a principal razão de ser de nossos trabalhos e relacionamentos e da conduta de nossas vidas diárias é a busca da felicidade. Nesse particular, eu associo a felicidade genuína à permanente paz interior.

Como dita a sabedoria indiana, a primeira prova da presença de Deus é a paz indescritível, que se desenvolve até se converter em alegria humanamente inconcebível. Uma vez que toque a ‘fonte’ da verdade e da vida, toda a Natureza lhe responderá. Encontrando Deus no seu íntimo, você O encontrará no exterior, em todas as pessoas e em todas as circunstâncias.

Em www.pathwork.com.br lê-se: “Vamos supor que um determinado desejo seja concedido a você. Se o bem recebido tiver seu objetivo máximo em você mesmo, ele não poderá continuar vivo em você, e então sua felicidade irá durar pouco. Só aquele que mantiver um ciclo fluindo ativamente, permanecendo consciente e inspirado pelo desejo de colocar em uso espiritual tudo o que recebeu em ajuda e graça, em felicidade e realização, em intervenção divina e orientação e que, além disso, agir e sentir assim, será capaz de sustentar e manter viva sua própria felicidade”.  

Pois todos os pensamentos e sentimentos têm uma forma e uma substância em espírito, causando assim efeitos externos e reações em cadeia, embora a pessoa não consiga percebê-los imediatamente dessa forma. Uma visão desse tipo requer a consciência espiritual, que brota através do desenvolvimento superior. Cada um vê, se purifica e se desenvolve segundo as possibilidades de seu nível, de suas forças.

Citando Alódio Tovar, em sua obra ‘Introdução ao Pensamento Mágico’, a criação de uma riqueza interior própria é o único fator capaz de dar significação à vida. Ninguém pode alcançar a felicidade sem antes obter o domínio sobre os instintos vagos e a consciência egoísta. Só a verdadeira iniciação espiritualista pode encaminhar os seres ao império da razão, único sítio cognitivo onde a insatisfação interior cessa e se tornam claros os caminhos elevados a trilhar.


Perdão por eventuais incorreções de escrita; por se tratar de uma figura copiada não é possível corrigir




Esforce-se para ficar só e completamente preenchido(a). A gente só encontra a felicidade genuína dentro de si mesmo, ninguém pode tirá-la dali. Obtém-se tudo do que se precisa. Não é preciso sonhar. Esse reconhecimento confere uma força serena que não é ameaçada nem pelas circunstâncias exteriores nem pelos medos internos, como trata a filosofia budista. Trata-se de uma liberdade que transcende a fascinação e a ansiedade.

Eu manifesto uma bondade serena. Quando a mente crítica tenta provocar-me recorro à meditação e à compaixão. Isso me salva! O que sinto profundamente é mais forte do que qualquer argumento. Como escreve o poeta Carlos Drummond de Andrade, “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.


Alguém que muito admiro, o filósofo Mário Sergio Cortella, recita sabiamente: “Eu preciso transbordar, ir além da minha borda, preciso me comunicar, preciso me juntar, preciso me repartir. Nesta hora, minha vida que, sem dúvida, ela é curta, eu desejo que ela não seja pequena”. 

Como consta em https://www.redepsi.com.br/2010/08/23/eudaimonia/, os atuais estudos sobre a psicologia da felicidade têm demonstrado que parte da nossa condição de felizes é inata, uma predisposição genética que nos confere maior ou menor propensão para experienciar emoções positivas, ou seja, um dom. A outra parte dessa condição diz respeito aos eventos de vida que influenciam nossa inserção no mundo, sobretudo a busca permanente do conhecimento útil, o que nos torna melhores, lembrando o filósofo Sócrates. Há algo que menciona: “Poderá Deus edificar o santuário da felicidade em nós, se não puder contar com os alicerces da boa vontade em nosso coração”?   

Portanto, tanto a parcela inata quanto a construída da felicidade podem ser, igualmente, transformadas através das escolhas conscientes que fazemos. Hoje sabemos que o cérebro aprende continuamente, se reestrutura e redefine nossa percepção do mundo e de nós mesmos. Esse processo ininterrupto de adaptação é o que nos permite (re)elaborar nossas metas e (re)significar nossas escolhas buscando com isso a realização das nossas potencialidades. O que está de acordo com o pensamento aristotélico. Para o filósofo, as atitudes amigáveis e a boa vontade que oferecemos a uma pessoa não tem por objetivo agradar o outro, mas sim promover nossa própria eudaimonia. 

A moderna psicologia da felicidade – com seus estudos alicerçados na neurociência e na investigação social do desenvolvimento humano individual e coletivo – tem chegado às mesmas conclusões propostas pelo filósofo grego. Para viver uma vida plenamente realizada, com eudaimonia, é preciso priorizar o equilíbrio emocional e cultivar hábitos e pensamentos que nos permitam fazer escolhas com discernimento.

“Para uma sociedade ser realmente harmoniosa, ela precisa estar enraizada num princípio mais primordial, alguma coisa que não possa ser comprada nem vendida”, escreve Sakyong Mipham em sua obra ‘Governe seu mundo’.

O antigo ditado ‘Dinheiro não traz felicidade’ parece comprovar-se. “Vemos que jogar muita atenção na aparência ou nas coisas materiais, como um carro novo, traz bem menos satisfação do que um trabalho voluntário, quando nos sentimos relevantes e parte de algo maior”, ensina Nancy Etcoff, responsável pelo curso de ciência da felicidade de Harvard. O trabalho voluntário, segundo Etcoff, aciona um sistema de recompensa no cérebro. Ela percebe, em suas pesquisas, que mulheres muito ligadas à aparência física tendem a ser menos felizes. “Muitas vezes, as pessoas procuram a satisfação no lugar errado. Percebemos isso pelo sistema de recompensa cerebral”, diz a professora, citada por Gilberto Dimenstein no artigo ‘Laboratório de Felicidade’, publicado na Folha de S.Paulo.   
     
Na obra Curso Adiantado de Filosofia Yogue, Ramacháraca menciona: “Não devemos permitir que nossos corações sejam ligados aos prazeres e ao bem-estar da vida em tão alto grau que isso nos induza a cessar de adiantar-nos e desenvolver nossa natureza superior. O Ocultismo prega ‘vida simples’. Ele ensina que, quando alguém tem em demasia muitas coisas, acontece facilmente de essas coisas virarem uma possessão; o homem torna-se assim seu escravo, em vez de ‘seu senhor’. O bem-estar e o luxo são apenas incidentes do plano físico e não atingem o Eu Real. É bom lembrar que a verdadeira felicidade vem de dentro. E quanto mais um homem se adianta espiritualmente, mais simples se torna o seu gosto”.

Citando novamente o monge Matthieu Ricard, o caminho para a felicidade não passa apenas pelo bem-estar individual, mas também pela compaixão por todos os seres vivos. A felicidade resulta de uma sabedoria fluida, atenta ao momento, que ajuda a pessoa a tomar as melhores decisões para o seu bem e o bem de todos à sua volta.

Quando estamos verdadeiramente felizes, queremos eliminar os sentimentos de ódio (e inveja, ciúme) que possam surgir em nós e proporcionar o bem-estar mesmo àqueles dos quais não gostamos, por entender que, afinal, todos os seres sencientes buscam sofrer menos e ser mais felizes. Essa atitude é a mais sólida contribuição que podemos dar para a transformação do mundo.

Já em outra obra, “Felicidade – A Prática do Bem-estar”, Matthieu Ricard avalia que a felicidade não pode se limitar a algumas sensações agradáveis, a um intenso prazer, a uma erupção de alegria ou a um efêmero sentimento de serenidade, a um dia animado ou a um momento mágico que passa por nós no labirinto da nossa existência. Essas diversas facetas não são suficientes para construir uma imagem precisa da realização profunda e duradoura que caracteriza a verdadeira felicidade. A felicidade é a profunda sensação de florescer que surge em uma mente excepcionalmente sadia. Isso não é meramente um sentimento agradável, uma emoção passageira ou uma disposição de ânimo: é um excelente estado de ser. A felicidade é também uma maneira de interpretar o mundo, pois se às vezes pode ser difícil transformá-lo, sempre é possível mudar a maneira de vê-lo.

Considero importante reunir autores a respeito de um mesmo tema, tornando a abordagem bem mais abrangente. Em cada citação, sempre haverá algo a agregar na ideia concebida. Vejamos o que escreve Lurdes Pinheiro, em sua obra “Felicidade Original’: “A felicidade original é certamente o tesouro mais procurado pela humanidade em geral, porque ela é constituída pela harmonia consequente entre as outras virtudes e valores no seu máximo potencial. O motivo pelo qual não estamos sempre felizes, é que existem registros negativos de personalidade no subconsciente, criados pela repetição de pensamentos fracos que nos escravizam, e nos impelem à criação de ciclos mentais negativos, mesmo contra o nosso desejo consciente”.

Comprovou-se que experiências de prazer contemplativo podem impactar positivamente o nosso cotidiano e gerar muitos benefícios. Quem acredita que a sua própria vida possui um significado (qualquer que seja) é também mais feliz, mais otimista, mais bem integrado à sociedade e mais capaz de enfrentar o inevitável estresse diário, dizem pesquisadores que estudam a psicologia do sentido da vida.

Além disso, uma existência rica de significado protege a saúde. Pessoas de todas as idades que buscam esse significado apresentam risco de mortalidade menor e menos chances de enfartar, sofrer derrame e desenvolver doenças crônicas ou degenerativas. 

A chamada ‘psicologia positiva’ trata de individualizar o que faz as pessoas ‘felizes’, e a maioria dos estudos dessa linha indica que dinheiro não é mesmo o fator principal. 


Tatjana Schnell, psicóloga da Universidade de Innsbruck (Áustria), é uma das estudiosas que está tentando enfrentar a questão do sentido da vida por um prisma científico. Segundo ela, uma das principais fontes que dão sentido à vida das pessoas (entrevistadas em suas pesquisas) é o que ela chama de ‘generatividade’ - quando alguém realiza alguma coisa de útil para a posteridade ou para o Todo.

generatividade foi descrita por Erik Erikson, psicanalista alemão, como a preocupação com o desenvolvimento da comunidade humana e o bem-estar das próximas gerações. Significa ainda conquista, busca por realização, por ser produtivo.

Para Jean Vanier, autor de ‘Aristóteles – para quem busca a felicidade’, a essência da felicidade perfeita, a felicidade contemplativa, é o propósito da natureza humana. Não há nada mais divino, tampouco mais nobre e, ao mesmo tempo, não existe nada mais caracteristicamente humano. Essa é a parte dominante do homem e a melhor dentre as que o compõem: a contemplação.

Mas apesar de séculos de esforços voltados para a elevação do nosso bem-estar material, parece que não estamos alcançando a felicidade, a segurança e a paz de espírito que trazem satisfação duradoura à vida humana. Como cita Tarthang Tulku, em sua obra ‘Conhecimento da liberdade – Tempo de mudança’, hoje a vida parece mais pressionada e, em muitos aspectos, mais difícil do que no passado. Vendo mudanças ocorrerem com tamanha velocidade, podemos nos perguntar como é que as gerações do futuro vão se sair: ‘No que este nosso mundo vai dar’?

Quaisquer que sejam nossas propensões ou crenças, não podemos escapar de uma consciência cada vez mais aguda da nossa insatisfação. Quando olhamos em volta, vemos poucos sinais de verdadeira felicidade. Nosso modo de vida não está realmente nos trazendo a satisfação que promete.

O autoconhecimento nos traz o saber, e este, o poder de nos transformar em pessoas melhores e mais plenas internamente. Trata-se de um longo caminho a ser percorrido e que exige reinvenção pessoal. A gente tem de estar sempre se testando e se reinventando. Aperfeiçoando-se!

Rumi, poeta e téologo persa, proclama sabiamente: “Novos órgãos da percepção passam a existir em consequência da necessidade. Portanto, ó homem, aumenta tuas necessidades e poderás expandir tua percepção”. Todo o restante virá naturalmente quando a consciência se expandir.

O que pode fazer o homem verdadeiramente feliz?, indaga o amigo e mentor Roberto da Graça Lopes: “O bem que ele é capaz de  oferecer ao mundo? Aquilo que tem aptidão para doar de si mesmo e que acrescenta aos que com ele convivem? Bem, tudo é relativo. Depende de conceitos de vida particulares, incluindo o de felicidade, conceitos que são a sustentação da vida de relação (com o outro e com o mundo), assim como os ossos sustentam nosso corpo físico. Apenas a partir do universo particular - porque felicidade genuína tem a ver com a robustez interior de cada um - pode sim o humano construir felicidade”.
                       
Agora vou ao encontro de algo que me identifico muito no pensamento de Valter Hugo Mãe, escrito português: “O morrer deixou de ser importante porque, de algum modo, as coisas ficaram muito completas. Então, perdurar mais tempo, perdurar menos tempo já não vai retirar de mim esta sensação de plenitude que é sobretudo um modo mental de existir. Não é o ter muita coisa. Não sou um homem rico. A maior parte do dinheiro que tenho doo para pagar dívidas de pessoas amigas. Não tenho coisas caras. Se o acaso me matar, já não importa muito porque minha vida já valeu muito a pena. 

“Eu só aprendi isso agora. Eu só percebi agora que uma cortina amarela em casa é uma dimensão fundamental da felicidade. Uma coisa tão ridícula, mas tão simples que a gente só senta ali. Recebe um amigo, faz um jantar e só sente aquele momento e a gente pensa: ‘Não é necessário ganhar prêmios, não é necessário ter televisão, seja o que for. Felicidade esteve o tempo todo aqui, tem uma cor (risos) e tem uma gente, não é’? Mas acho que fui estabelecendo essas metas porque achava que precisava concretizar alguma coisa. Precisava criar algum tipo de relação de conquista”.

E então arremato com a sabedoria do escritor Érico Veríssimo: “Felicidade é saber que não se viveu uma vida em vão”.

Caro leitor, aplique-se para transformar-se, faça com que sua vida valha a pena, dia a dia, momento a momento. Colha felicidade!


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           ·         Agradecimento a Roberto da Graça Lopes, pelas valiosas sugestões

Um comentário:

  1. “UMA boa vida depende exclusivamente do modo como o indivíduo usa sua inteligência para alcançar o melhor. Sócrates pensa – e mostra com sua vida – que a felicidade é associada à virtude como uma espécie de caminho natural quando as atitudes são orientadas pela reflexão filosófica. Virtude é a disposição de um indivíduo de praticar o bem; e não é apenas uma característica, trata-se de uma verdadeira inclinação, virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o caminho do bem.

    Com nosso raciocínio concorda também a ideia segundo a qual O HOMEM FELIZ VIVE BEM E AGE BEM. Portanto, a felicidade é um certo modo de agir bem.
    Para diversos filósofos da Antiguidade, a noção de felicidade é indissociável da noção de virtude. É o exercício da virtude que torna alguém apto a discernir o que é melhor em cada ação, ainda que isso não esteja associado a um bem-estar ou à posse de bens e prazeres.

    A felicidade não se mede pela realização de determinados projetos de realização pessoal e sim pela capacidade de agir de modo sábio e prudente. Sendo a felicidade o fim último da vida, a virtude é aquilo que a realiza, configurando-a como um todo”.

    • Referência: “Pensadores”, Casa do Saber


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