segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sobre Rubem Alves: “O tempo e as jabuticabas”

Eis um desses homens de mente privilegiada e ação intelectual seleta, naquilo que considero como informação educativa e produtiva, susceptível de levar o leitor à auto-reflexão e ao seu aprimoramento como espécie humana. Essa coisa de buscar o essencial da vida, Rubem Alves sintetiza, com a sua grandeza de escritor e educador, nesta crônica, “O tempo e as jabuticabas”:

“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. 



Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.  Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que, apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de ‘confrontação’ onde ‘tiramos fatos a limpo’. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa!...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão-somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

O essencial faz a vida valer a pena. 

Ao pesquisar Rubem Alves, colhi mais estes frutos plantados por ele:

(“Se eu pudesse viver minha vida novamente”, Testamento, Verus editora, 2004): “O testamento é o que restou, depois de feitas todas as somas e subtrações. É aquilo que se passa às mãos dos que continuarão a viver depois de nós, com um pedido: ‘Por favor, na minha ausência, não se esqueça de regar a minha planta...’

Claro que não estou pensando nas coisas que fui ajuntando, ao passar dos anos. Elas não têm a menor importância. Não têm o poder de nos tornar nem mais sábios nem mais felizes. Porque sabedoria e felicidade são coisas que crescem por dentro, enquanto que as coisas ajuntadas ficam de fora. Pelo contrário: já vi vidas e amizades perturbadas e destruídas pela disputa de uma herança.” 

(http://www.releituras.com/rubemalves_bio.asp): “Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro... 

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(*) Escritor, téologo, educador e psicanalista

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