sexta-feira, 9 de novembro de 2018

GURDJIEFF, George Ivanovitch


Natural da Armênia, que na época pertencia ao antigo Império Russo Czarista. O ano de seu nascimento é incerto, algo em torno de 1860, 1880 ou, ainda, 1866 ou 1872, como defendem alguns de seus discípulos. Sua morte completou 60 anos, em 2009.




         Gurdjieff é alguém que apareceu num dado momento histórico para difundir o Ensinamento Primordial. Esse ensinamento, que aparece em diferentes momentos da história da Humanidade, sempre existiu, mas assumindo diferentes formas. Apareceu sob a forma de budismo, hinduísmo, taoísmo, islamismo, cristianismo, judaísmo, além de ter feito parte da tradição egípcia, grega etc. Entende-se, pois, que existe um ensinamento único do qual Gurdjieff é o maior representante. Ele é, portanto, o representante de uma tradição primordial que existiu muito antes das tradições judaica e grega.




UMA REFLEXÃO SOBRE OS SÁBIOS ENSINAMENTOS DE GURDJIEFF   
     

O CONHECIMENTO essencial não dá boa audiência. Daí a civilização permanecer ainda tão desolada...”
Tom Simões


AQUI eu sintetizo o ‘Comentário sobre possível significado do termo Karnak’, com base no livro All and Everything (Tudo e Tudo), de autoria de Gurdjieff.  


Os irmãos Paulo A.S. Raful e Lauro de A.S. Raful são os autores do Comentário, publicado na Revista SER, número 14, 
http://www.ogrupo.org.br/RevistaSer.asp?ser=14


A revista é editada pela Escola Gurdjieff São Paulo – Um Novo Ser Faz Bem, http://www.ogrupo.org.br/




Paulo e Lauro prestam uma homenagem a Gurdjieff que, na visão deles, revolucionou a vida espiritual do Ocidente, deixando um legado de valor incomensurável e que se revela sempre atual, sempre impactante.


          
    Pode-se dizer que o significado simbólico da palavra Karnak é o da transmutação do material em espiritual. Para aqueles que desenvolvem um trabalho interior sério, haverá um refinamento do nível ordinário da consciência, conduzindo-a a uma crescente ampliação, elevando-a dessa forma a um patamar muito superior ao do nível comum da Humanidade.
          
        Há ainda o significado de curvar-se, de submeter-se, de buscar a humildade. A partir da experiência meditativa, pode-se dizer que é a entrega de nossa ‘persona social’ ao silêncio, à paz e ao contentamento, manifestações essas ligadas aos planos superiores do nosso Ser. Simbolicamente, fica claro que a atitude Karnak pode adquirir o sentido de um casamento, de união entre nossas duas naturezas.



aquele que puder zelar pelo bem dos outros merecerá seu próprio bem.”

G. I. Gurdjieff




Revista SER

SOMOS um grupo de pessoas em busca de melhor perceber, sentir e compreender o Divino, o Universo e o Homem.
Nossa busca é orientada pelo Ensinamento de G. I. Gurdjieff.
O que fazemos já recebeu muitos nomes: Trabalho Interior, Busca da Verdade, Quarto Caminho, Busca de um Sentido Mais Profundo, Evolução da Consciência, Cristianismo Esotérico e  Despertar do Eu Real, dentre outros.
Desenvolvemos e participamos de diferentes atividades destinadas a transformar o próprio Ser. Com isso, cada um e todos juntos acabam contribuindo para um bem maior.
Somos todos instruídos e orientados por Paulo e Lauro Raful, que foram iniciados desde jovens pelo Dr. Michel Conge, discípulo direto de G. I. Gurdjieff.



Quem é Gurdjieff


DESDE cedo, Gurdjieff distinguiu-se das outras crianças na escola por conta de seu questionamento insaciável. Ele procurava orientação de pessoas mais velhas entre as várias    escolas da região. Lia vorazmente e, em tenra idade, deixou seu lar em busca de pessoas mais sábias ou irmandades com chaves para o conhecimento, que tinha se tornado uma necessidade para a sua vida.




Durante vinte anos, até 1909, Gurdjieff esteve viajando, preparando-se adequadamente, dirigido e influenciado pelo que chamava o Círculo Interior da Humanidade - os portadores do conhecimento que buscava. Durante esse tempo tomou consciência da sua missão: chamar a Humanidade para descobrir o verdadeiro significado da existência.



DESDE criança tenho a sensação de que algo falta em mim. Sinto que existe outra vida além da vida comum. Uma vida que me chama. Mas como me abrir a ela? Esta pergunta não me deixa em paz. E assim tornei-me um cão faminto, perseguindo uma resposta.”      






NA VÉSPERA de domingos e feriados, como nós, crianças, tínhamos o direito de não nos levantar cedo no dia seguinte, meu pai costumava contar-nos uma história, quer sobre os grandes povos da Antiguidade, quer sobre homens notáveis, quer sobre Deus, sobre a natureza ou sobre toda espécie de maravilhas misteriosas. E terminava sempre com algum conto de ‘As Mil e Uma Noites’.”    







          G. I. Gurdjieff escreveu sua obra ‘All and Everything’ de uma forma bastante rara, encontrada apenas nas Grandes Escrituras da Humanidade, em linguagem simbólica somada ao que alguns chamam de ‘linguagem crepuscular’, ou seja, uma linguagem cujo sentido está muito além do aparente.

          Nas palavras que cria, esse sábio encobre significados e ensinamentos enriquecedores para os que buscam, de fato, compreender o seu próprio Ser.

         O propósito aqui é estimular o leitor a transcender seu pensar linear, quase automático, limitado pelos condicionamentos da sociedade, para alçar voo na direção de um pensar mais vasto e superior.



O relato a seguir baseia-se em trechos de entrevista de Paulo Raful à Revista Ser :   


          O QUE parece fundamental quando falamos em Gurdjieff é sublinhar que sua figura parece muito misteriosa se analisada sob o ponto de vista comum. Mas, se percebida de forma mais ampla, fica claro que o sábio Gurdjieff surgiu num dado momento histórico para trazer o Ensinamento Primordial, ou seja, o pensamento que está na essência de todas as grandes religiões.

          Gurdjieff é uma figura enorme, não no sentido que as enciclopédias citam pessoas. Elas o classificam como um filósofo russo, mas, na verdade,  Gurdjieff foi ‘um mensageiro do alto’, ou seja, com um nível muito elevado  de consciência. Isso não é difícil compreender se fizermos uma analogia entre o estado de consciência do ser humano e da vida animal. É nessa linha de analogia que podemos esclarecer o leitor sobre o que pode diferenciar o estado de consciência superior do estado de consciência de um filósofo, ou de um cientista, ou de alguém em ‘topo de carreira’ no sentido comum.  

          Não fica tão difícil perceber que Gurdjieff tem o nível de consciência dos mensageiros.  Entendam bem que não o estou comparando a figuras supremas como Jesus Cristo, Buda ou Maomé. Mas, com certeza, o seu nível de consciência pode ser considerado num plano muito elevado. O que caracteriza todos os ‘mensageiros do alto’ é a influência ilimitada que exercem sobre a Humanidade. Sob o ponto de vista mais objetivo, podemos ver a sua influência em vários autores das áreas de ciência, filosofia e psicologia, por exemplo, principalmente na Europa e Estados Unidos.

          Um dos propósitos do surgimento de um mensageiro do alto é formar indivíduos despertos que se elevam na escala da consciência, a fim de beneficiar a Humanidade como um todo. Alguns mensageiros, ainda em vida, conseguem afetar pouca gente de forma direta. O próprio Jesus Cristo afetou poucas pessoas; já Moisés influenciou um número maior de pessoas.



Saúde: como conquistá-la e mantê-la




          A QUESTÃO da saúde, ao se considerar o que a experiência interior traz, não fica tão complicada. Para abordar o assunto, temos que voltar sempre a algo que é considerado o ‘Ensinamento básico’, não só da escola gurdjieffiana, mas da tradição primordial. Ele aparece em todo mundo, só que de maneira bem acobertada, sob diferentes formas. Mas o que todos os ensinamentos ligados à tradição primordial trazem é que a composição do homem é sempre tripartite: o homem é composto do seu físico, do seu processo pensante e do seu processo emocional. No seu ventre localiza-se o processo vital; no seu cérebro, o processo pensante e, no seu peito, o processo emocional. Podemos dizer, pois, que saúde significa não desperdiçar essas três energias básicas, que se interligam.  Essa é uma definição essencial de saúde. É claro que não se pretende negar a importância de toda a pesquisa médica e científica sobre as doenças. Respeitando-se todas as descobertas da ciência, o princípio essencial para compreender bem o que significa manter-se saudável é de que somos compostos basicamente de um corpo físico e da energia que o move. Podemos comparar-nos a um fio elétrico: o fio em si corresponde ao nosso corpo físico; e a energia elétrica, à nossa energia vital. Isso de maneira simples. A medicina e a observação direta nos mostram que uma pessoa estressada emocionalmente tem mais propensão a uma série de doenças. Esse é um dos exemplos; não é o único. Isso não se dá apenas no plano emocional. Assim, é possível uma pessoa muito preocupada passar a desenvolver problemas estomacais. Outro exemplo pouco citado, que ocorre com o sexo masculino, é o de homens que comprometem a sua vitalidade por excesso de atividade sexual. Há ainda o caso de pessoas que podem comprometer o seu organismo com o excesso de atividades esportivas. Mas tem atleta que vive até os noventa anos. Mas como ele vive? Como estão suas articulações?

         A maneira como cada um administra sua energia varia de indivíduo a indivíduo: uns gastam mais energia mental; outros, mais energia emocional; e outros, mais energia vital. Gurdjieff deixou também como legado uma série de instruções para equilibrarmos harmonicamente os três processos.




NENHUM sistema ou escola pode fazer pelo ser humano o trabalho que ele tem de fazer por si mesmo.”
G.I.Gurdjieff




          Um exemplo prático de equilíbrio é o da pessoa que nasce com muito vigor e, por isso, tem uma atividade física intensa. Como consequência, o seu organismo começa a pedir muito alimento, muito mais do que o da média das pessoas. Com o tempo essa pessoa, engordando mais que o necessário, pode ficar com diabetes e dormir mal, por comer muito antes de se deitar. O seu organismo fica então desequilibrado. A pessoa precisa prestar atenção nessa sua condição.

          É nesse sentido que o trabalho interior propicia ao indivíduo a noção da justa medida. A partir do momento que percebe o seu desconforto, ele pode passar a se controlar. Um dia ele come muito em uma única refeição. Depois pode passar dois ou três dias comendo menos, equilibrando naturalmente o seu organismo. Quando a gente não se alimenta por ansiedade, o organismo mostra a justa medida.

          O fator emocional é um desconhecido. O problema é que não damos atenção a ele. Ele não faz parte dos currículos escolares. Portanto, o desprezamos. E isso tudo é muito delicado, por ser a área emocional que faz a liga entre os seres humanos. Uma liga parte das ideias, mas se não houver um sentimento, uma emoção calorosa entre as pessoas, elas se encontram e vão embora.

          Em geral, a gente observa a conversa das pessoas em nossa volta. E é incrível como a emoção está presente em tudo o que falam, tentando se expressar... Dizem: “fulano me fez isso, fez aquilo, aconteceu isso ou deixou de acontecer...” Mas existe normalmente uma elaboração mental em cima de tudo o que falam. Isso parece um absurdo!

          É curioso notar que a parte emocional, a mais inconsciente de nossas partes, é a que predomina. Mas não é reconhecida, porque as pessoas têm enorme dificuldade para expressar suas emoções. Mas a emoção é uma das coisas que mais importa para as pessoas, é ela que as une. Se alguém alimenta uma raiva de sua pessoa, mesmo que concorde com você intelectualmente, arranja uma forma de agredi-la ou contrariá-la. Isso mostra como a emoção é preponderante. Ao contrário, quando você gosta de alguém, acaba relevando seus deslizes, mesmo quando essa pessoa está errada. Portanto, para simplificar, não é possível um florescimento integral do ser sem um florescimento emocional.

          Vale ilustrar: o interesse por determinados programas televisivos traduz a necessidade que as pessoas têm de viver emoções. Filmes e programações mais intelectuais, por exemplo, não dão boa audiência.



O consumismo


QUANDO uma pessoa está contente, está bem na própria pele, ela necessita de menos coisas que as outras.



          um desequilíbrio com as pessoas. Quando atingem um patamar melhor em termos financeiros, elas passam a querer consumir cada vez mais. A sociedade passa a produzir bens de consumo cada vez mais e cria novas formas de fazer o dinheiro render, sem prever racionalmente o futuro. Observa-se esse processo acelerando-se há mais de cem anos. O próprio René Guénon já dizia: “Herdamos o reino da quantidade”. Guénon, 1886-1951, foi um intelectual francês do século XX tido como inclassificável. Sua influente obra pode ser classificada em três vertentes: a exposição da metafísica tradicional, a crítica ao materialismo e individualismo do mundo moderno e a explicação do simbolismo tradicional das diversas civilizações tradicionais.

          É preciso ter mais, mais e mais, porque há uma pressão enorme em se adquirir coisas. O que acontece, então? Extrai-se uma quantidade maior de matéria-prima do planeta para se produzir mais bens de consumo. As pessoas tornam-se consumidoras cada vez mais vorazes, e isso cria uma angústia. Fala-se muito na emissão de gazes poluentes, mas as pessoas emissoras de angústia também poluem. Elas passam o dia correndo atrás do prejuízo. Isso é muito preocupante. Há 30 ou 40 anos, quando tínhamos um problema de saúde procurávamos um médico na ‘Santa Casa’ e ali resolvíamos o problema. Hoje é preciso ter um plano de saúde. Há uma pressão cada vez maior sobre o indivíduo para adquirir coisas. Isso provoca nervosismo, muita angústia e infelicidade, levando-o a querer sempre mais para tentar compensar a sua infelicidade. É essa a essência do problema.

          O que estou querendo dizer com isso? Que a origem dessa crise reside no estado de consciência das pessoas. E isso é fácil perceber: quando uma pessoa está contente, está bem consigo mesma, ela necessita de menos coisas que os outros. Não deixa de se alimentar, não perde o senso artístico, não perde o seu bom gosto, mas é menos voraz. Essa voracidade é um problema de consciência. Quem não desenvolve um trabalho interior não percebe que a causa da crise é uma insatisfação generalizada.


E como eu me defendo disso?


          EU ME defendo saindo desse estado de insatisfação, procurando, ao contrário, experimentar o estado de serenidade. Se faço isso, já crio uma proteção em torno de mim. Depois, a parte prática de lidar com a crise pode ser resolvida a partir dessa paz interior. Nessa condição, amplio minha mente e melhoro minha disposição física. Mas o diagnóstico fundamental é exatamente esse. Esse desequilíbrio da Humanidade não começou agora, já se manifestava em 1929. É delicado prever o rumo dessa insatisfação daqui a 10, 20 ou 30 anos.

          Uma crise também tem um lado positivo, não tem? Faz as pessoas se questionarem sobre o rumo de sua vida. Quando está dando tudo certo, ganhando-se bem, consumindo à vontade, viajando, raramente as pessoas se questionam. Muitas delas, quando se deparam com uma crise financeira, indagam a si mesmas: “Meu Deus, para onde está indo a minha vida?” Será que existe a possibilidade de um maior número de pessoas iniciar uma busca espiritual por conta da uma crise pessoal? Mas elas procuram algo superior apenas nos momentos de uma dificuldade financeira,  amorosa... Quando resolvem o problema, somem! A busca interior implica em iniciativa própria. Ninguém é levado a isso por acaso ou influência de outro, sem despertar a sua consciência.  



SE VOCÊ ajuda os outros, você será ajudado, talvez amanhã, talvez em cem anos, mas você será ajudado. A Natureza tem de pagar o débito. É uma lei matemática, e toda a vida é matemática.”

G.I.Gurdjieff





          As pessoas não só não se aproximam para desenvolver o seu lado espiritual, como não querem aprender a ciência de viver, que não é propriamente espiritual. A ciência de viver pertence ao plano do mental, do emocional e do físico. Mas nem nesses planos floresce o seu interesse. Isso porque o indivíduo comum desconhece o sentido da autotransformação para ficar mais competente e lidar melhor com a vida. Não lhe ocorre dedicar-se também a outra coisa que não seja ganhar dinheiro.

          As pessoas não têm o espírito do artista de circo, por exemplo, que dá um duro danado para desenvolver sua habilidade como malabarista, para andar na corda bamba, para fazer seus números de acrobacia...  



PODEMOS dizer que tudo que o homem faz é arte.



          TODA forma de expressão do ser humano é arte. Desde a mais remota antiguidade, desde a pré-história, quando as habilidades do homem e os instrumentos eram ainda muito primitivos, o homem já fazia arte. O que pintava nas paredes das cavernas... Não só o que pintava. Toda expressão do ser humano, seja através de uma pintura, um objeto utilitário ou um instrumento de trabalho, é uma obra de arte. Como estamos acostumados a coexistir naturalmente com tudo o que existe à nossa volta, não percebemos que tudo teve de ser pensado, sentido e produzido. Tudo o que o homem projeta é uma obra de arte. Os animais também produzem arte instintivamente, como um ninho, por exemplo, mas sem noção do sentido artístico da sua obra.

          O ninho de um pássaro não é uma obra de arte? Não, não é uma obra de arte, porque é a Natureza, no pássaro, que faz o ninho. Logo, não há um sentimento envolvido na tarefa, nem uma intenção, nem um projeto por trás disso tudo. O que caracteriza a obra de arte é a intenção que está por trás dela. Costumamos mistificar a ideia do artista por entendermos que só pode ser considerado artista aquele que faz, por exemplo, um desenho maravilhoso. Não! Um engenheiro que constrói um prédio não está fazendo uma obra de arte? É claro que sim! Precisamos nos acostumar a entender a obra de arte no sentido mais amplo da expressão, pois fica muito interessante pensar na arte dessa forma.





          A arte é toda forma de expressão do ser humano. Uma arma é uma obra de arte? Sim! O problema está na utilização que se faz dela. Se alguém inventa uma bomba, está criando uma obra de arte. Agora, o destino da bomba, sim, é um problema. Todo poema é uma obra de arte, mas um texto ruim também o é. Pode ser uma obra de arte que fracassou, mas é uma obra de arte.

          O ser humano é sempre um canal de expressão. O canal de expressão de um pensamento, uma ideia e/ou uma emoção. Cria algo através desses três centros funcionais. E ele pode se preparar para servir como um instrumento melhor, mais refinado, mais receptível, para que ideias de qualidade cheguem ao mundo, ideias que podem aprimorar a Humanidade, facilitar a vida de todos neste planeta.



QUEM cria mesmo é o Criador de todas as coisas. Mas podemos preparar-nos para captar a Sua criação.


          Por isso, antigamente, os homens de conhecimento não assinavam as obras de arte que produziam. Não fazia sentido assinar uma obra da qual eles eram apenas instrumentos de realização.

          Em geral, tem muito ego envolvido na autoria de uma obra de arte, mas é preciso entender o que está além. O nosso mundo precisa de criadores, mas é preciso saber que as ideias não são nossas, elas chegam até nós. Não podemos nos apropriar delas. Quanto mais inteligente for o ser humano, inteligente no sentido amplo da palavra, menos autor de alguma coisa ele pode se julgar.




 

          Quanto mais inteligente e mais capacitado, o homem estará habilitado para a expressão de algo. Isso em qualquer campo! Mesmo na área da publicidade! O homem não precisa ser apenas a expressão do mundo interior. Por exemplo, alguém que trabalha no mundo da propaganda e precisa fazer um bom trabalho, pode se abrir e ficar à espera de uma boa ideia. De repente, surge a ideia certa para aquele projeto. Essa ideia veio de onde? Veio de um ideário que existe por aí...

          A ideia vem do mesmo lugar do pensamento. Do mesmo lugar de onde se originam os pensamentos. Isso é tão verdadeiro que vê-se surgir ideias iguais nas artes e ciências em diferentes lugares ao mesmo tempo, ideias que não existiam antes. É como se algumas antenas captassem essas ideias. Muitas vezes tem-se a sensação de que níveis superiores de inteligência estão enviando alguma ideia que, naquele momento, tem um sentido para a Humanidade.

          Há exemplos evidentes, como Leonardo da Vinci. Ele criou uma série de objetos que só se tornaram viáveis para a Humanidade trezentos ou quatrocentos anos depois, como o helicóptero e o paraquedas, por exemplo.

          Há variações nas diferentes formas de arte. Há arte no homem expressando sua subjetividade. Há também a questão do talento, cada pessoa nasce com determinado talento para determinada expressão.

          Quanto mais a pessoa tem consciência do seu Eu profundo, que está ligado a esse mundo da inteligência superior, melhor ela se expressa. Há vezes que a pessoa tem contato com o mundo superior mas não possui o instrumento necessário para se manifestar concretamente. Ela então vai passar o que captou através de suas ideias e palavras. Pode até mesmo existir alguém que tenha contato com esse mundo profundo, mas não tenha o dom da palavra; neste caso pode tratar-se de um puro contemplador. Essa pessoa irradiará a qualidade de ser através da sua linguagem corporal.




O que significa a ‘arte objetiva’?





          GURDJIEFF cunhou a expressão ‘arte objetiva’. A arte objetiva foi muito idealizada por pessoas que tentavam compreender o trabalho interior. Esse fato transformou a arte em algo extremamente distante das pessoas comuns. O que seria, então, a arte objetiva?  Seria a arte que tenta passar, através de muitas formas, a possibilidade que o homem tem de evoluir internamente. Isso é arte objetiva. É, portanto uma arte voltada para o crescimento interior do ser humano. Ela mostra que podemos crescer como seres humanos, não no sentido de nos tornarmos uma pessoa melhorzinha, como ensinam livros de autoajuda, mas de podermos passar de um ser humano comum para um ser humano de alta qualidade. Essa alta qualidade aparece quando o homem se volta para o seu centro, para o seu verdadeiro Eu, para o seu Eu real.  Então a arte objetiva é algo que lembra a nossa conexão com o Divino. Ela está a serviço dessa lembrança. Por outro lado, podemos dizer que toda arte produzida pelo ser humano que não busca entrar em contato com a sua profundidade interior é subjetiva. Por quê? Porque ela vai expressar apenas seus traumas ou alegrias momentâneas, sua depressão, seu furor, o amor ou desamor que está vivendo naquele momento, e assim por diante. E tudo isso é subjetivo.

          A arte objetiva diz: ‘Sim, você pode se transformar’! E dá indicações para prestarmos mais atenção ao nosso ser. Mesmo contando uma piada, podemos passar uma qualidade vinda de outro mundo, de uma inteligência superior que pode ser acessada pelo ser humano.



A ARTE objetiva tem um propósito por trás dela, o de passar a ideia de que podemos nos transformar. A arte objetiva mostra que podemos entrar em contato com nosso Eu Real, com um mental e um sentimento superior.



          Algo que transcende o criador, o artista. Isso não significa que ele está completamente ‘desidentificado’ do seu ego, mas que está fazendo um esforço para esvaziar-se interiormente para servir a uma qualidade superior de inteligência. Se preferir, pode chamar essa inteligência de Divino ou Princípio Universal Superior, mas o que importa é saber que temos de servir a essa qualidade com conhecimento de causa. Então, a obra de arte vai refletir as nossas transformações, as nossas conquistas. Isso é arte objetiva.

          É importante salientar que o que chamamos de Divino é a possibilidade que existe dentro de cada um, em nossa profundidade, senão a ideia fica muito abstrata. A arte objetiva deve servir ao reconhecimento da verdadeira natureza do ser humano, do que é essencial à existência. A verdadeira arte objetiva lembra-me que ‘Eu Sou’. Ela me faz compreender que não sou as minhas neuroses, as minhas raivas, os meus medos, as minhas pequenas alegrias, os meus filhos, a minha mulher, os meus negócios, nem este corpo fadado a perecer um dia. Ela pode dizer que não sou nada disso. A arte que se vê atualmente não mostra isso. A verdadeira arte objetiva pode tocar as pessoas em sua profundidade, trazendo-lhe um sentimento de nostalgia da sua verdadeira natureza, do Eu Sou.



Botticelli, Nascita Di Venere, Nascimento de Vênus



          Quantas pessoas já não olharam para o Botticelli e sentiram isso. Tanto é que ele é endeusado como artista. Muitos dos grandes artistas da Renascença tiveram contato com diferentes escolas do trabalho interior. Por isso, são cultuados até hoje! Tornaram-se imortais, como Leonardo da Vinci também.




Leonardo da Vinci, Mona Lisa




EM QUE medida o artista beneficia o seu próprio ser ao transmitir o conhecimento do Divino? E como ele pode treinar-se para sair um pouco do seu mundo pessoal, do mundo do seu ego, e atingir camadas mais refinadas do seu ser?




          Em primeiro lugar, o artista precisa desenvolver um trabalho profundo sobre si mesmo. Ele tem de estar buscando entrar em contato com seu Eu real, ou seja, sair de sua subjetividade e entrar em contato com essa inteligência, essa emanação divina, que é o Eu real. No interior do ser humano, o Eu real é o representante dos níveis mais profundos do Universo. Se o artista não busca isso, ele não vai se beneficiar tanto. Quanto mais consciente for a sua transmissão, mais ele se beneficia, pois vai crescer em autoconhecimento, em amor em relação às outras pessoas. Amar é olhar para o outro, é considerar o outro.



GERALMENTE queremos que o outro nos considere, portanto, queremos ser amados e não amar.



          Há na atualidade um desvio generalizado entre os artistas, principalmente os que ficam famosos e ganham muito dinheiro. Com a globalização, a fama percorre rapidamente o mundo inteiro. Por isso a fama sobe à cabeça do artista, e o talento ou contribuição - que um dia foram autênticos - desaparecem.

          O Eu real não depende de nada; ele não nasce, não morre, permanece. O artista tem de se colocar de lado, o que não é difícil quando ele está em contato com a sua profundidade. Assim como o peixe nadando no mar não se pergunta onde está o mar, não percebemos que estamos dentro do nosso Eu real. Acreditamos que somos pequenos. Quando entramos em contato com o Eu real, o Eu menor dá passagem, vai para o lugar dele. Ele tem de saber que é importante, mas é pequeno. E não há nenhum demérito nisso, porque todos nós somos pequenos, não somos nada, da mesma forma que o homem mais famoso do mundo também não é nada.

          Seria o centro emocional o principal afetado pela obra de arte? E as outras partes de nosso ser, como são afetadas?




Na verdade, a profundidade é que é afetada. É evidente que uma obra de arte dita ‘objetiva’ deve tocar o emocional e o mental superior.




          A obra de arte que provoca uma espécie de ‘awe’ ─ um espanto, um respeito a Deus, um assombro sem palavras ─ está tocando nossa profundidade, mas, em seguida, entra o nosso mental corriqueiro e tenta dar nome àquela impressão: ‘Oh! Que coisa linda, que coisa bem feita! Qual é o nome do artista?’ Isso tudo é posterior ao awe, que significa assombro, respeito, reverência, admiração. As pessoas que apreciam a arte verdadeira são tocadas não só no seu sentimento, mas também no corpo como um todo, pois aumentam a sua vitalidade. Elas saem amando mais! Algumas chegam com sentimentos negativos e saem com o coração mais leve, com o mental mais lúcido e criativo, e o corpo mais vigoroso, devido ao florescimento de energias mais puras do organismo. Portanto, não é apenas o centro emocional que é afetado.

          Na atualidade, informações que transmitem o conhecimento do Divino estão sendo difundidas pelo mundo inteiro, através da Internet. Há muitas delas, que se potencializam cada vez mais. A rede social é um recurso oportuno e fundamental para espalhar as ideias do conhecimento. É um recurso que ajuda a semear práticas do trabalho interior. Há hoje um acervo enorme sobre a área do conhecimento interior. É muito gratificante saber que podemos difundir ideias que ajudam o ser humano a entrar em contato com seu Eu real. Na verdade, quando uma única pessoa é tocada por essas ideias, já ficamos felizes. O Eu Real deseja apresentar-se ao mundo. Não é preciso forçar nada, mas temos de ficar cada vez mais hábeis em espalhar as boas ideias. Sabemos que a quantidade não é a coisa mais importante, o mais importante é o desejo de despertar as pessoas no sentido transcendental da existência.

          A ideia de arte é muito mais ampla do que imaginamos. Cada fração de segundo da nossa vida é uma obra de arte. Estar vivo é a grande arte! Temos então de nos tornar suficientemente cristalinos para fazer de nossa vida uma obra de arte.

        O grande drama do ser humano é que ele está sempre desejando ser alguma coisa que está lá no futuro. Na verdade, o momento presente é uma obra de arte. Cada ser humano é uma obra de arte completa, do princípio ao fim. Só que raramente pensamos dessa forma. Esse fato nos torna conscientes de que estamos dentro de uma obra de arte completa, o nosso corpo, criada por uma inteligência superior, pelo Grande Artífice. A nossa tarefa, portanto, é preparar os nossos centros para que obedeçam ao Eu profundo. Ele sim é o suprassumo das obras de arte! É essa a fórmula? Sim, é essa a fórmula para a criação da Grande Obra de Arte! 



QUAL é a sua arte? Qual é o seu talento? Se ainda não descobriu, se ainda não percebeu-se interiormente, desperte neste sentido. Atente para o seu Eu profundo. É ele quem  transmite a sua conexão com a Divindade.”

Tom Simões



***


Escola Gurdjieff São Paulo
Rua Augusta, nº 2327, Edifício 1
São Paulo - SP
Telefone: (11) 3864-1670

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