quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

VIDA A DOIS

Todos os relacionamentos são de amor e ódio. Nenhuma relação é de puro amor, e nenhuma relação é de puro ódio.


LEIO “O BARCO VAZIO - Reflexões sobre as Histórias de Chuang Tzu”, de autoria de Osho, filósofo indiano. Conhecido por sua revolucionária contribuição à ciência da transformação interior, Osho explica com detalhes as mensagens taoístas de autorrealização contidas nas histórias do místico chinês Chuang Tzu. Basicamente, segundo a filosofia taoísta, o ser humano deve buscar o desprendimento do mundo material, não devendo desejar nada. De acordo com o taoísmo, quando um desejo é satisfeito, outro aparece em seu lugar.

O tao significa o caminho, algo que só pode ser apreendido por intuição. Conforme  www.tao.org.br, o taoísmo clássico tradicional define um caminho específico para que os praticantes possam alcançar o bem-estar físico mental e a iluminação clara e inequívoca.

Devo confessar que, certamente, essa obra revira minha mente. E ainda estou em seu início. Ganhei de presente neste Natal. Há conceitos interessantes sobre a complexidade da vida humana com os quais nos identificamos; alguns, porém, que não temos coragem de comentar na vida a dois. É bom quando evoluímos com o conhecimento e vamos aprendendo a compreender e a silenciar, experimentando a tão sonhada paz interior. Nas palavras do próprio Osho: “Ande por este vasto mundo como um barco vazio e todas as bençãos da vida, todas as bençãos que são possíveis na existência, serão suas”.

Na obra “Amadurecer Luminoso”, Norbert Glas, médico, revela: “No correr da vida, passamos a reconhecer os pensamentos que nos chegam; vamos treinando nossa agilidade para percebê-los e, assim, amadurecer. Na verdade, nosso desenvolvimento deveria ser tal que nos tornássemos cada vez mais hábeis em perceber o que pensar. Como isto se dá? Através de determinada atitude interior, devemos fazer silêncio dentro da alma. Isto abre a possibilidade de as ideias ‘virem’ até nós”.

Mistura de amor e apego

“A maioria das relações humanas se baseia numa mistura de amor e apego. Isso não é amor puro, porque surge do interesse pela nossa própria felicidade; valorizamos a outra pessoa porque ela nos faz sentir bem. O amor puro não está misturado com apego e surge inteiramente de uma preocupação com a felicidade dos outros”, escreve o monge budista Geshe Kelsang Gyatso na obra “Transforme sua Vida”.

Conforme ensina o monge, o amor puro nunca dá origem a problemas, mas só à paz e felicidade, tanto para nós como para os outros. “Precisamos remover o apego da nossa mente, mas isso não significa que temos de abandonar nossos relacionamentos. O que devemos fazer é aprender a distinguir o apego do amor e, aos poucos, remover qualquer traço de apego dos nossos relacionamentos e aperfeiçoar nosso amor até que ele se torne puro.”

Porque, diz Gyatso, enquanto nosso amor pelos outros estiver condicionado ao modo como nos tratam, ele será fraco e instável, e não seremos capazes de transformá-lo em amor universal. “É inevitável que, em algum momento, as pessoas respondam à nossa bondade de modo ingrato e negativo; logo, é essencial que encontremos um meio de transformar essa experiência em caminho espiritual. Enquanto não abandonarmos a ignorância do autoagarramento, não teremos verdadeira felicidade, pois o autoagarramento destrói nossa paz interior, ou paz mental.

Sobre uma possível paixão

Há quem poderá se surpreender com tudo isto que ora descubro em “O Barco Vazio”: “Quando ama alguém, você simplesmente esquece que tem raiva, que tem ódio, que tem ciúme. Você simplesmente os descarta como se nunca tivessem existido. Mas como pode descartá-los? Você só pode escondê-los no inconsciente. Você pode se tornar amoroso apenas na superfície; bem no fundo, fica escondido o tumulto. Mais cedo ou mais tarde, quando você ficar farto, quando o se amado se tornar familiar – e dizem que é da familiaridade que nasce o desprezo... não é que a familiaridade gere o desprezo -, a familiaridade deixa você entediado, o desprezo sempre esteve lá, escondido. Ele vem à tona, estava esperando o momento certo, a semente estava lá”, analisa Osho.

Mas como discordar do taoísmo neste sentido? “Todos os relacionamentos são de amor e ódio. Nenhuma relação é de puro amor, e nenhuma relação é de puro ódio. É tanto de amor quanto de ódio. Se for sincero, você estará em dificuldade. Se você disser a uma garota: “Meu relacionamento com você é de amor e ódio; eu te amo como nunca amei ninguém e te odeio como nunca odiei ninguém”, será difícil que se casem, a menos que você encontre uma garota meditativa que possa compreender a realidade; a menos que você encontre um amigo que possa compreender a complexidade da mente.

Outro ponto interessante para Osho é que a mente não é um mecanismo simples, é muito complexo; e, por meio da mente, você nunca poderá se tornar simples, porque a mente continua criando enganos. “Ser meditativo significa estar ciente do fato de que a mente está escondendo algo de você; você está fechando os olhos para alguns fatos que o perturbam. Então, mais cedo ou mais tarde, esses fatos perturbadores vão entrar em erupção, dominá-lo, e você irá para o oposto. E o contrário não está lá num lugar distante, lá longe, em alguma estrela; o oposto está escondido atrás de você, em você, em sua mente, no próprio funcionamento da mente”, explica o filósofo indiano.

De acordo com o taoísmo, se você está dividido – e você está sempre dividido: metade se movendo, metade se contendo, metade dizendo sim, metade dizendo não, metade apaixonado, metade com ódio, você é um reino dividido – há um constante conflito em você. Você diz algo, mas nunca quer dizer aquilo, porque o contrário está ali, impedindo, criando um obstáculo.

O que é a felicidade?


Para o autor de “O Barco Vazio”, a felicidade é o sentimento que surge em você quando o observador se torna o observado. “A felicidade é o sentimento que surge em você quando você está em harmonia, não fragmentado; quando você é um, não está desintegrado, não está dividido, é indiviso, um. O sentimento não é algo que vem de fora. É a melodia que brota da sua harmonia interior.”

Diz Chuang Tzu: “O homem do Tao age sem impedimento, pois ele não está dividido, então quem vai impedir? O que existe para servir de impedimento? Ele está sozinho, ele se move com o todo. Esse movimento na totalidade é a maior beleza que pode acontecer, isso é possível. Às vezes você tem vislumbres disso. Às vezes, quando de repente você está inteiro, quando a mente não está funcionando, isso acontece”.

Mas, complementa Tzu, você está ocupado com muitas atividades apenas para fugir de si mesmo. Você não consegue tolerar a si mesmo, não consegue tolerar a sua própria companhia. Você vive à procura de alguém como um modo de fugir, vive à procura de alguma ocupação com a qual possa se esquecer de si mesmo, com a qual possa se envolver. Você está entediado com você mesmo.

Um homem do Tao - prossegue o místico chinês -, um homem que atingiu a natureza interior, um homem que é realmente religioso, não é um homem de muita atividade. “Somente o necessário irá acontecer. O desnecessário é completamente descartado, porque ele consegue ficar à vontade sem nenhuma atividade, ele consegue ficar em casa sem fazer nada, consegue relaxar, consegue fazer companhia a si mesmo, consegue ficar com seu eu.”

E então Osho fortalece essa ideia: “Um homem do Tao não é um homem de muita atividade. Suas ações são as mais essenciais – aquelas que não podem ser evitadas. O que pode ser evitado, ele evita. Ele está tão feliz consigo mesmo que não há necessidade de empreender ações. Sua atividade é como a inatividade; ele faz sem que haja alguém fazendo. Ele é um barco vazio, navegando no mar, indo a lugar nenhum”.

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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

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