Saawariya - Apaixonados
Ana Simões, estudante do curso de Pós-graduação em Crítica de Cinema, Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), outubro 2009
Há mais ou menos um ano, durante o curso de Pós-graduação em Crítica de  Cinema, assisti, a pedido de um professor, ao filme indiano “Saawariya -  Apaixonados”. O “longa” é mais uma grande produção de Bollywood, hoje a  maior indústria de cinema do mundo. Bollywood brinca com as palavras  “Hollywood” e “Bombaim”, maior cidade da Índia, onde se concentra essa  indústria cinematográfica indiana. Bollywood é a Hollywood da Índia.
Na época, fiquei surpreendida (positivamente) com o filme e resolvi  escrever um artigo para, de certa forma, registrar aquela agradável  sensação de ter descoberto algo completamente novo. Foi então que no  decorrer de algumas pesquisas deparei-me com uma informação relevante:  Saawariya, o novo sucesso de Bollywood, baseia-se no romance “Noites  Brancas”, de Dostoiévski. Essa não foi a primeira vez que a obra desse  romancista russo foi às telas (Visconti, cineasta italiano, dirigiu “Le Notti Bianche”,  em 1957); porém, o que me surpreende aqui é o caráter ‘atemporal’ e  ‘alocal’ dessa obra, que a torna passível de ser representada tanto por  um cineasta italiano da década de 1950 quanto por um cineasta indiano do  século XXI. 
O artigo foi escrito e se calou em meu computador, porém o destino o  chamou para esta publicação. E conto-lhes por quê. Neste final de  semana, ao folhear o jornal em busca de um bom filme para assistir no  cinema, deparei-me com um ‘quatro estrelas’ chamado “Amantes”. Na  sinopse, nada de revelador. Nas críticas investigadas, uma revelação: o  filme também fôra inspirado em “Noites Brancas”, de Dostoiévski. Pronto:  lá estava eu, com a bolsa no ombro, pronta para descobrir como o cinema  americano contemporâneo interpretaria uma obra densa e complexa usando  atrizes como Gwyneth Paltrow e ambientando grande parte de seu enredo em  Nova York.
Valeu. Saawariya e Amantes, apesar de radicalmente diferentes no visual  (exceto pelo tom azulado de sua fotografia), são reveladoramente iguais  em sua essência. E emocionam.
Aqui, divido com vocês a crítica que fiz sobre Saawariya na época do meu  curso de cinema e deixo um convite: o de viver uma experiência  cinematográfica diferente, que faz do cinema não só a sétima arte, mas a  junção de várias delas. Deliciem-se: Saawariya é uma deliciosa  combinação de literatura com pintura, música e dança.
Em busca de alguém perdido
De acordo com o site oficial do filme, Saawariya significa “being in  love” – em português, “apaixonado”. Mas, como o próprio site ressalva,  não é qualquer amante que pode ser qualificado como Saawariya – apenas  aquele que resiste ao tempo, que supera os obstáculos e que, não importa  a reciprocidade, considera-se honrado pelo simples fato de amar.
Raj, personagem central do filme, é a representação desse amante. Jovem  artista, ele chega a uma nova cidade, sozinho, e logo encontra uma  garota misteriosa pelas ruas. Vestida de preto, sobre uma ponte, a jovem  tímida e melancólica revela-se Sakina. Intrigado pela moça e certo de  que ela é o amor de sua vida, Raj faz de Sakina a sua obsessão, e passa a  usar artifícios variados para conquistá-la – dentre eles, danças,  cantos e metáforas, tentando convencê-la de que foram feitos um para o  outro. A moça deixa-se encantar pela amizade de Raj, mas não mais que  isso. Consumida por um amor do passado que prometeu voltar, Sakina passa  todos os dias à espera de sua vinda.
A história desses dois jovens se passa em quatro noites fantasiosas,  marcadas por encontros e desencontros: se por um lado a inocência e a  incondicionalidade do amor dos dois os unem por outro, o objeto desse  amor os separa. E não são só Raj e Sakina que sofrem por amor. Em  Saawariya, todas as personagens se revelam almas solitárias motivadas  pela busca de um alguém perdido ou impossível.
Apesar de muitas vezes o enredo de Saawariya remeter ao corriqueiro e  banal, o filme guarda, em algum lugar, a fantasia e a idealização  típicas do amor romântico – e a graça do filme está justamente na  sucessão de desencontros, já tão bem poetizada por Carlos Drummond de  Andrade em Quadrilha (o João, que amava Teresa, que amava Raimundo, aqui  ganha novas vestimentas, falas e músicas: Raj, que amava Sakina, que  amava Imaan...). 
Saawariya exagera, sim, nos trejeitos, nas danças, nos estereótipos, nas  metáforas – mas usa espetacularmente bem os recursos de fotografia,  luz, música e figurino, todos eles capazes de criar uma atmosfera de  poesia em movimento. Suas imagens aproximam-se mais de pinturas do que  de simples fotografias, e a câmera parada na maior parte do filme amplia  ainda mais essa sensação. O cenário em tons de azul e verde dá o toque  de surrealismo inerente à história, já que toda ela foi tecida nos  sonhos de uma das personagens.
Dirigido pelo indiano Sanjay Leela Bhansali e produzido pela Sony  Pictures, o musical, lançado em 2007 e marcado pela fantasia, parece  usar artifícios bem racionais para garantir sucesso de bilheteria  mundial. Primeiro, porque fala de amor - tema universal e atemporal,  capaz de fazer com que o espectador se conecte, se reconheça nele ou,  pelo menos, torça para uma de suas personagens. Segundo, porque  Saawariya, apesar de indiano, busca elementos nas diversas partes do  mundo: na dança de Raj é possível reconhecer traços de Michael Jackson e  John Travolta; em sua fala, frequentemente surgem interjeições e  expressões em inglês; no cenário do filme, depara-se de repente com a  pintura de Monalisa... 
Se a Índia hoje é a maior produtora de filmes do mundo, é porque sua cultura enraizada não permitiu a alta penetração de filmes ocidentais e sua produção nacional foi a que sempre mais agradou os espectadores indianos. Saawariya, no entanto, parece ir na contramão: não é um filme de interesse específico, sobre uma cultura diferente, de uma realidade distante. Ao contrário. Gostando ou não, ninguém pode negar: Saawariya fala com todo o mundo.
 
 
É lindíssimo esse filme. Uma pena não encontrar um lugar para ve-lo
ResponderExcluirGrata pela crítica (mesmo lendo em 2015).. não sabia que ele era baseado em "Noites Brancas"...agora, é ver "Amantes" :)
ResponderExcluirO filme foi apresentado no último domingo pela HBO Signature, valeu a pena. A fotografia e os figurinos são muito bons. Em alguns momentos você tem realmente a impressão de estar em um "livro móvel", muito bom.
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