segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O fenômeno Barack Obama

Trata-se de crônica de Antonio Cícero, publicada na Folha de S.Paulo, "Ilustrada", de 24 de janeiro de 2009. Sintetizo-a abaixo por considerá-la bastante coerente e complementar a texto que escrevi abordando a esperança ("Jornalismo Desesperançoso", 24/1/2009).


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"Nem os representantes da direita cínica nem os da esquerda dogmática conseguem esconder seu rancor contra a alegria com que tanta gente saudou a posse de Barack Obama.


Tanto uns quanto os outros debocham da "ingenuidade" dos que pensam que, com o novo presidente, alguma coisa possa melhorar nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo. Segundo eles, nada pode mudar senão para pior.

Acontece que as pessoas que conheço e que ficaram admiradas e alegres com a eleição e a posse de Obama estão longe de ser tão ingênuas quanto eles supõem. Elas não acreditam em milagres ou messias ou ‘grandes timoneiros’; são conscientes de que o presidente dos Estados Unidos não pode fazer tudo o que quer; percebem que Obama ainda não se provou como administrador; sabem que vivemos um momento de crise econômica mundial sem precedentes; entendem a gravidade das guerras no Oriente Médio e no Afeganistão; compreendem que vivemos um momento instável de imprevisíveis transformações nas correlações internacionais de forças econômicas, políticas e militares etc.etc.

Apesar disso, os que celebram a posse de Obama – entre os quais me incluo – acreditam que já há bastante razão para fazê-lo.

Em primeiro lugar, é extraordinário que um homem negro, filho de imigrante, com um nome de origem árabe, tenha sido eleito presidente dos Estados Unidos.

Em segundo lugar, é maravilhoso que tal homem deva sua eleição, em grande parte, à superioridade do seu brilho, do seu carisma, das suas ideias.

Em terceiro lugar, é esplêndido que, ao eleger Obama, os eleitores americanos tenham claramente repudiado o governo mais vil de que se tem memória nos Estados Unidos, que foi o da extrema direita do Partido Republicano, na figura lamentável de George W. Bush.

Em resposta aos que afirmam que nada poderá mudar no novo governo, pode-se dizer que esses três fatos já representam uma imensa mudança.

... As ideias de que o mundo mudou – que o próprio Obama não só afirma, mas encarna – e de que devemos mudar com ele são, no fundo, as que mais irritam tanto os direitistas cínicos quanto os esquerdistas dogmáticos. Outra ideia que lhes é inaceitável – e que constitui o próprio teor do discurso de posse – é a de que a sociedade aberta é melhor do que a fechada.

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A meu ver, o que não consegue mudar são as ideologias. As coisas reais mudam o tempo todo, ora para pior, ora para melhor e, embora não possamos saber o que acontecerá daqui para frente, a verdade é que, no momento em que escrevo, o fenômeno Obama já representa uma mudança real para melhor."

Antonio Cícero

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Para complementar, busquei inspiração em Rubem Alves, em sua obra "O retorno e terno (Crônicas)": "Não sei se vocês já perceberam que as pessoas acham muito mais fácil exprimir seus ódios e raivas que seu gostares e afetos. Já me perguntei várias vezes sobre as razões deste aleijão absurdo, e a única explicação que me vem à cabeça é que, ao fazer explodir seus ódios e raivas, as pessoas se sentem como tigres, temíveis e fortes animais de caça. Enquanto que, ao mostrar o seu gostar, elas se sentem como aves indefesas, tolas e ridículas, prisioneiras na arapuca do outro. E para não se sentirem presas, preferem deixar preso o gostar, no silêncio..."

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