quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Cristo que há em mim


O texto é um pouco longo, reconheço. Mas, para conhecer minha ideia sobre o verdadeiro sentido de Jesus Cristo como homem comum e como ser iluminado, minha sugestão é que o texto seja impresso e lido com vagar, ainda que aos poucos, nos minutos antes de dormir, por exemplo. Sim, porque costumamos nos distrair com tantas coisas desnecessárias, então por que não dedicar algum tempo para uma pequena conexão com Ele?...
 
Meu jovem amigo Lineu sabe da importância deste texto para mim. Minha ideia inicial era transformá-lo num livro. “E aí, fera, sai o livro?”..., brinca comigo. Lineu virou como um símbolo do meu blog, por conta do apoio que sempre me deu neste sentido. E então, chegou o momento de compartilhar o que tenho colecionado sobre o que considero relevante para falar sobre essa sagrada referência: Jesus Cristo. Creio que não há tempo a perder quando dispomos de instrumentos nas mãos que possam interferir positivamente na vida das pessoas. Sobre o livro, Lineu, quem sabe um dia...
 
Costumo inspirar-me na natureza aberta dos jovens, susceptíveis de serem moldados. Não aprecio a acomodação da maioria dos mais velhos, que não se dispõem a experimentar mudanças, às vezes essenciais na vida. Ao ler “Cartas entre amigos”, de Fábio de Melo e Gabriel Chalita, anotei: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Fábio e Gabriel citam Gibran Khalil Gibran, o maior poeta libanês, que diz: “Para entender o coração e a mente de uma pessoa, não olhe para o que ela já conseguiu, mas para o que ela aspira”.
 
“Eu sou um otimista. Prefiro ver o que pode vir a ser em vez do que é”, observa Deepak Chopra em “Os anos perdidos de Jesus”. Chopra indaga: “Eu poderia estar no seu lugar. Não sei por que não estou. Talvez tivesse que aprender a ouvir a voz de Deus em cada voz. Ou seria essa a maior de todas as loucuras?”
 
Tenho maior facilidade em absorver conhecimentos quando os vivencio. Conceitos filosóficos e religiosos, por exemplo, devem ser práticos, sobretudo. Ao vivenciar crenças e obter resultados palpáveis, as minhas buscas e encontros costumam resultar em constantes mudanças positivas. “Na verdade, se o que faz toda a diferença é o que está dentro de nós, então a diferença acontece quando escolhemos o que deve entrar”, escreve Andy Andrews em “A viagem da sabedoria”.
 
Assim busco Cristo ao longo do meu tempo... Inspirado em Seu exemplo, passei a adotá-Lo como referência. Fui então percebendo que precisava experimentar o Cristo sob aspectos mais concretos, por haver o desejo de incorporá-Lo concretamente em meu cotidiano. Agora, na prática do dia-a-dia, tendo Cristo como inspiração, não raramente em algumas situações, antes de tomar algumas atitudes, pergunto a mim mesmo como Ele reagiria em tal circunstância. Tenho-O como um objetivo de ser. Não se trata do desejo de imitá-Lo, mas de me corrigir e aperfeiçoar: eu como praticante e Ele como Modelo.
 
“Um ser humano não é a roupa que veste, e sim a pessoa viva que está dentro da roupa. As pessoas se distanciam de Deus quando pensam Nele em termos abstratos. Talvez imaginem que sua crença irá ‘salvá-las’, mas o que poderia ser a salvação sem o amor? Definições teológicas não oferecem conforto ao coração. Parecem cadeiras de antiquário, colocadas no recinto para serem vistas, e não para nos sentarmos nelas! Ou melhor, lembram porcelanas preciosas guardadas na segurança dos armários, porém raramente usadas”, revela Swami Kriyananda em sua obra “Deus é para todos”, abordando a mensagem transmitida pelo mestre indiano Paramhansa Yogananda. Ele explica que as pessoas se lembram de Deus durante os períodos de sofrimento – mas afora estes, em que momento? Na dor, elas podem tirá-Lo do armário, espaná-Lo e examiná-Lo com mais atenção. Normalmente, porém, consideram-se bastante bem sem Ele, enquanto, exaustas, testa franzida de ansiedade, arrastam-se de crise em crise.
 
“O Deus de cada um”
 
Waldemar Falcão, em “O Deus de cada um”, escreve: “Deus não é Algo em que se deva acreditar ou não, é Alguém com quem precisamos nos encontrar”. Apenas o sentido do ser crístico deve permear o nosso sentir, pensar e querer, santificando o nosso agir no mundo.
 
Fábio de Melo, em “Quem me roubou de mim”, narra que “A Teologia Cristã tem avançado muito na compreensão de que a realização humana é o mesmo que a revelação de Deus. Essa tem sido nossa crença. Onde houver um ser humano realizado, Deus estará revelado”. Para Fábio, “O Tratado de Teologia Cristã da Criação nos assegura que o gesto criador de Deus tem sempre continuidade na vida humana. Cada vez que eu me realizo verdadeiramente como pessoa, vivendo e aperfeiçoando as capacidades que me foram entregues, tais como minha liberdade, capacidade de amar, de alguma forma o Criador continua criando o mundo a partir de mim”.
 
Penso que quem Nele crê, eleva as mãos e pede proteção. Quem Nele crê, crê que Ele é fonte inesgotável de auxílio e perdão. Costuma-se conceber o Cristo externamente, distante do homem, quando na verdade Ele deve ser despertado internamente: o Cristo se revela em cada um de nós.
 
Admitir Cristo é tentar trazê-Lo para o interior do corpo. Incorporá-Lo gradativamente à essência do nosso ser. O que isto significa? Ter o Cristo no corpo significa aprimorar a vida que se leva para nos identificarmos cada vez mais com Ele. A cada processo de entendimento e prática construtiva, vai-se incorporando partes do Cristo. Isto me remete a Eckhart Tolle, em sua obra “O poder do agora”: “Você está aqui para possibilitar que o propósito divino do universo se revele. Veja como você é importante”.
 
Há momentos em que o homem consciente, já desperto e atento em alguns aspectos, ao agir insensatamente, poderia refletir: Não é certo isto o que fiz. Cristo agiria assim?
 
Transformar-se a cada dia: isto é essencial
 
O que pode significar “O Cristo está em mim?” O mesmo que uma luz, uma energia cósmica... estão em mim. É preciso racionalizar essa busca do homem pelo Sagrado. O ser humano tem de se transformar verdadeiramente para incorporar a divindade em seu corpo. Só assim se sentirá completo, ao experimentar a verdadeira sensação da paz interior.
 
Para C. G. Jung, conforme cita o monge beneditino alemão Anselm Grün em sua obra “Transforme seu medo”, “Jesus não é apenas a personalidade histórica de Nazaré, mas também uma imagem do verdadeiro si mesmo. Seguir Jesus significa, portanto, também seguir a minha voz interior. Assim que faço silêncio e procuro escutar o meu interior, percebo em mim uma voz suave que me diz precisamente o que é certo para mim. E esta voz interior me afasta do gravitar em torno de minha própria vida. Ela me convida a abandonar tudo que é exterior, para que possa descobrir a riqueza interior de minha alma”.
 
Ao mostrar que é essencial reconhecer a presença do divino em nossa vida, escreve Anselm Grün: “Três aspectos de Deus se manifestam em Jesus e que devem libertar-nos de nosso medo: a misericórdia de Deus, sua luz que nos ilumina e a paz que nos será dada se deixarmos seu amor penetrar em nós”.
 
Não se trata de fanatismo, mas de um ideal que culmina com a melhoria da qualidade de vida e desenvolve a capacidade de enxergar a vida sob um ângulo mais sensato e produtivo. “Quanto da vida eu perdi, pensou, simplesmente por deixar de olhar? Ou por olhar e não ver?”, narra Irvin D. Yalom em “Quando Nietzsche chorou”.
 
Hoje me sinto mais tranquilo. Andando por aí, pelas ruas mesmo, chego a sorrir até para quem não conheço. Quando percebo pessoas disponíveis a demonstrações de afeto, penso como Cristo em mim reagiria. E então acolho essas pessoas com um sorriso. Como se projetasse o Cristo, sorrindo através de mim.
 
Deus coloca o desejo da doação em nosso coração, expressando fisicamente Seu amor através de nós, como Seu instrumento. Sem perder de vista o propósito elevado, façamos o que dita a consciência e deixemos que a Providência Divina se encarregue do próximo encontro, da próxima coincidência, da próxima revelação...
 
Inspiro-me na complexidade da energia universal, no ápice da caminhada rumo ao infinito. Algo como uma subida em degraus, a cada superação de atos individualistas, a cada doação desinteressada... Quando então o homem atinge esse estágio de consciência, não há como retroceder. O processo é gradativo, com o desejo de se transformar em instrumento para a expansão da energia positiva.
 
Inspiro-me na questão básica: o que busco permanentemente para me tornar uma pessoa melhor a cada dia! Mas alguém há de perguntar: que caminhos são esses que levam a experimentar concretamente o Cristo em nossa vida?...
 
A revelação
 
Quando declaro que “A presença Dele acaba finalmente de se confirmar em mim” é por conta dos constantes sinais que aparecem para revelá-Lo. É verdadeiro que quando a gente passa a conceber a vida sobre um ângulo sagrado, experimentando o desejo de evoluir, o nosso corpo vai se tornando mais leve e receptivo. A partir de determinado momento, alguns acontecimentos começam a nos surpreender. Coincidências, por exemplo. Coisas inexplicáveis. Pessoas especiais que aparecem em nossa vida com propósitos semelhantes, para compartilhar aprendizados e fortalecer ideais. Literaturas especializadas que chegam providencialmente quando se idealiza um texto para escrever... Acidentes que são evitados e surpreendem: quem ainda não experimentou um deles, acreditando que apenas uma força de proteção superior poderia se justificar naquele determinado instante?
 
Para acreditar em tudo isto é preciso despertar para o essencial da vida. Certamente há alguém que, apesar de viver com recursos materiais limitados, acolhe quem necessita, dividindo parte do que dispõe, por valorizar o que a vida lhe propicia. Esse alguém a que me refiro é aquele que algumas vezes chega a se surpreender com o fato de conseguir fazer tanto com tão pouco. E então só pode imaginar que algo sagrado lá do Alto o acolhe.
 
Quem ainda não olhou para um desconhecido na rua, no ônibus, no metrô, em um lugar qualquer..., e se perguntou o que aquele desconhecido refletia de tão especial em seu rosto? Alguém já percebeu a luz interior no semblante de um desconhecido?
 
Literatura produtiva
 
Em “A viagem da sabedoria”, Andy Andrews escreve: “Minha vida, minha personalidade, meus hábitos, até mesmo as coisas que eu digo, tudo é uma combinação dos livros que escolho ler, das pessoas que escolho escutar e dos pensamentos que escolho tolerar na minha cabeça. Na verdade, se o que faz toda a diferença é o que está dentro de nós, então a diferença acontece quando escolhemos o que deve entrar. A vida em si é um privilégio, mas viver a vida plenamente... bem, isso é uma escolha!”
 
O gênero literário “autoajuda” é muitas vezes depreciado. Como em toda leitura, o bom livro e o bom autor dependem da escolha de cada um. Em termos de “autoajuda” não entendo porque algo útil para melhorar a qualidade de vida de pessoas possa ser tão depreciado por alguns. Há livros desse gênero mais simples e outros mais complexos do ponto de vista filosófico, destinados a diferentes tipos de leitores, nos quais são abordados conceitos de psicologia e filosofia fundamentais para o autoconhecimento. 
 
Em uma frase muito importante que está no livro dos Puranas afirma-se que o conhecimento védico (da cultura indiana) não é para informação, e sim para transformação. Em “O Deus de cada um”, Chandra Mukha explica que Prabhupada se pautava por quatro diretrizes para levar adiante seu trabalho: Ele dizia que: 1) os livros são a base de tudo; 2) é preciso propagar (pregar) o conhecimento; 3) pureza é força; 4) utilidade é o princípio”.
 
Em termos de literatura que leva à autotransformação, destaco “O lado oculto das coisas”, de C.W. Leadbeater, e “O Deus de cada um”, por exemplo. Mais recentemente tenho me interessado por obras escritas por psicoterapeutas, como Irvin D. Yalom, por exemplo: “Mentiras no divã”, “Quando Nietzche chorou”, “Vou chamar a polícia”...
 
“... Eu lhe pediria para olhar bem profundamente dentro dele mesmo e examinar se sua essência, seu próprio centro, acredita que a finalidade de sua existência seja compilar dinheiro. Às vezes, pedi a pacientes assim que se projetassem para o futuro, até o ponto de sua morte, de seu funeral, até imaginar seu túmulo e redigir um epitáfio. Como poderá ele, o seu cliente, se sentir se tiver um relato da sua preocupação com o dinheiro talhado na sua lápide? É essa a maneira pela qual ele gostaria que sua vida fosse resumida”, escreve Irvin D. Yalom.
 
Ao longo da existência, conhecemos muitas pessoas. Algumas se tornam amigas íntimas. Com outras convivemos sem muito envolvimento. Há ainda pessoas que vivem nos mesmos ambientes e pouco se falam. Às vezes nem mesmo se cumprimentam, formalmente ainda que seja. Por acreditar que não temos nada em comum, desistimos de pensar nelas como possibilidade de relacionamento. A meu ver, esse tipo de pessoa permite um bom exercício para praticarmos a humildade e a superação pessoal. Mudar a mente e a atitude, algo que necessita de disposição e coragem. Ah! Se as pessoas soubessem como vale a pena!...
 
Movimento contínuo
 
“As nossas reações interferem na dinâmica do comportamento das pessoas que nos ouvem, interferindo por sua vez nos colegas de trabalho, na sua empresa, na sociedade... Por isso, fechar-se em seu mundo pode ser um ato egoísta”, escreve Augusto Cury em “O Futuro da Humanidade”.
 
Em “A viagem da sabedoria”, Andy Andrews comenta: “Ao assumir a liderança, a pessoa passa a merecê-la. Ao conduzir os outros ao sucesso e à vida com que eles sonham, a vida que você busca e merece lhe será concedida”.
 
Segundo Claude M. Steiner (“O Outro Lado do Poder”), “O ser humano, embora eminentemente gregário, tem subutilizado sua capacidade de conviver de forma pacífica e construtiva com seus semelhantes. A razão básica está no fato de ele não ter exercitado, em primeiro lugar, a capacidade de conviver consigo mesmo. A ‘alfabetização moral’ é o passo inicial para a reversão desse processo, pois o reconhecimento do próprio eu abrirá caminho para o reconhecimento do outro. Poderemos sempre encontrar pessoas para amar ou amar mais de uma determinada pessoa; sempre há algo de novo para aprender, ensinar ou ler. Há sempre novos aspectos de interesse, de troca de ideias, de envolvimento apaixonado”.
 
Os hábitos de toda uma vida não são facilmente desprezados. Este dia pode ser a grande oportunidade para eu ajudar as pessoas. Sair do lugar comum. Como exercitar o ato da doação desinteressada, por exemplo, e não esperar nada do outro, que não muda tão facilmente...
 
“A compreensão sobre a bondade genuína chega quando nos tornamos capazes de amar e não vemos mais o mundo do mesmo jeito. E isso demanda esforço, às vezes durante muito tempo e na direção correta”, escreve Liane Alves em seu artigo “Todo mundo quer ser bom” (revista Vida Simples, abril 2010).
 
Liane cita o professor de filosofia, americano, Jacob Needleman, autor de ‘Por que não conseguimos ser bons?’: “O mal não existe, existe força não transformada. O mal é o bem em formação, o que ainda não está pronto. Não corrija o mal. Aumente o bem. Ele absorverá o mal que existe ao seu redor”. E, quanto mais consciente, verdadeiro e responsável esse bem, melhor, admite Liane.
 
Sobre a arte de enxergar o mundo
 
Há mais de vinte anos convivo com alguém no ambiente de trabalho, com quem só recentemente, nos últimos três anos aproximadamente, passou a fazer parte das minhas relações, ainda que socialmente. Aproximei-me dessa pessoa com o propósito de me experimentar. Eu desejava colocar em prática essa possibilidade de me transformar e não esperar que o outro mudasse para me acolher. E deu certo. Deixamos de ignorar um ao outro e passamos a nos cumprimentar gentilmente e, quando oportuno, trocar algumas palavras. Um caminho melhor começou a se descortinar.
 
Algumas vezes costumo levar o cachorro de minha filha para passear na rua. Tal prática, para quem se dispõe a uma observação mais atenta, pode levar à identificação com algumas pessoas com quem cruzamos nas ruas. No ato de olhar e acenar para o animal, o semblante do transeunte pode revelar algo de sua personalidade.
 
Recentemente, experimentei algo, que ficou guardado. Ao retornar ao trabalho, após o almoço, dirigindo o automóvel, presenciei uma senhora sentada na calçada, almoçando. Chamou-me a atenção uma toalha que ela estendeu na calçada, utilizando-a como mesa. E parecia uma mesa com alimentos diversificados, adequados à condição daquela mulher. A cena me emocionou principalmente pela felicidade estampada em seu semblante. Ao seguir adiante, pensei em voltar e oferecer algo àquela mulher. Mais tarde, eu imaginava... Quem me dera ter tido a coragem de compartilhar aquela felicidade, estacionando o meu carro e me sentando ao lado daquela senhora!... Mas será que ela me permitiria isso? Afinal, eram seus momentos, e o mundo ao seu redor parecia não ter muita importância.
 
Ao pensar em felicidade, não raramente me surpreendo com a alegria, logo cedo, dos coletores de lixo. E haja disposição, com os sacos de lixo nas mãos, naquele sobe e desce do caminhão em movimento. Quando passo próximo a eles e tenho oportunidade, cumprimento-os. Eles mostram que, mesmo recolhendo lixo, é possível ser alegre. Pudera, são trabalhadores vestidos de dignidade. É um grande exemplo para as pessoas que se lamentam da vida.
 
“Consciente ou inconscientemente, todos nós trilhamos uma senda espiritual – um caminho de aprendizado, autoaperfeiçoamento e elevação, que nos permite expressar, cada vez mais, nossas melhores qualidades e virtudes”, nos diz um dos ensinamentos da “Fraternidade dos Guardiães da Chama (Summit Lighthouse do Brasil)”. Esse pensamento mostra que, nem sempre, porém, essa trajetória interna do nosso ser é clara para nós. Ocupados com os desafios do dia a dia, sobrecarregados com solicitações materiais e inseridos em um mundo em rápida transformação, acabamos deixando de lado os cuidados com a nossa natureza espiritual. Às vezes, por falta de tempo, conhecimento ou visão, tomamos atalhos e desvios que retardam nossa evolução.
 
O Deus de cada um
 
Segundo Brian Weiss, em ‘Muitas vidas, muitos mestres’, “Todos somos deuses. Deus está dentro de nós. Precisamos exprimir nossa divindade e o nosso amor por meio de boas ações, por meio de serviço. O nosso caminho é interior. Esse é o caminho mais difícil, a viagem mais dolorosa. Somos responsáveis por nosso próprio aprendizado. Esta responsabilidade não pode ser colocada nos ombros de outra pessoa, de algum guru. O reino de Deus está dentro de nós”.
 
Para Weiss, deveria haver gradações baseadas na sabedoria e no conhecimento, com o objetivo final de nos tornarmos uma imagem de Deus, aproximando-nos Dele, talvez fundindo-nos, de certa forma, a Ele. Esse era o objetivo dos teólogos místicos ao descreverem seus êxtases, durante séculos.
 
Em “O método Michelangelo”, Kenneth Schuman e Ronald Paxton dizem que o valor supremo para Michelangelo era glorificar Deus. Ele acreditava que o homem foi criado à imagem e semelhança do Criador e que a alma precisa desvencilhar-se da matéria para se religar a Deus. Acreditava que estava louvando Deus ao reproduzir na pedra, com a maior perfeição possível, Sua maior criação.
 
“Dizem-me que há vários deuses, pois Deus está em cada um de nós”, escreve Brian Weiss em “Só o amor é real”. Weiss diz também: “Nossa tarefa é aprender para nos tornarmos semelhantes a Deus, através do conhecimento. Sabemos pouco... Pelo conhecimento nos aproximamos de Deus e então podemos descansar. Depois, voltamos para ensinar e ajudar os outros. Só as mentes abertas são capazes de receber conhecimento”.
 
Em sua obra “Jesus”, cita Tim Lahaye: “Mas quando der um banquete, convide os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos. Feliz será você, porque eles não têm como retribuir. A sua recompensa virá na ressurreição dos justos.” (Lucas 14:13,14)
                                                                                                                  
Uma só verdade: eterna e universal
 
Em “Os anos perdidos de Jesus”, escreve Deepak Chopra: “Para mim, ele não é uma pessoa, mas um estado de consciência. A comunhão de Jesus com Deus foi um processo que ocorreu dentro de sua mente. Do ponto de vista de Buda ou dos antigos ‘rishis’ (profetas) indianos, Jesus atingiu a iluminação. Contudo, outro Jesus foi deixado de fora do Novo Testamento – o Jesus iluminado. Sua ausência, a meu ver, debilitou de forma profunda a fé cristã, pois, por mais singular que seja Cristo, fazer dele o único Filho de Deus deixa o restante da humanidade desamparada. Um grande abismo separa a santidade de Jesus da nossa mediocridade. Milhares de cristãos aceitam essa separação, porém, ela não precisa existir. E se Jesus desejasse que seus seguidores – e até mesmo nós – desfrutassem a mesma comunhão com Deus alcançada por ele?”
 
Em que consiste entrar em comunhão com Deus?, indaga Deepak Chopra. “Podemos trilhar o mesmo caminho que Jesus? Eu acredito que sim. Ele queria nos ensinar a atingir uma consciência mais elevada, e não apenas ser um exemplo glorioso dela. Jesus disse aos seus discípulos que eles poderiam fazer tudo o que ele fazia e mais. Afirmou que eles eram a luz do mundo. Apontava para o Reino dos Céus como um estado de graça eterno, não como um lugar distante, escondido além das nuvens”.
 
“Milhões de pessoas vêm adorando a Deus sem serem transformadas. Com a exceção de um punhado de santos, o cristianismo não fez de seus seguidores a luz do mundo, muito embora fosse essa claramente a intenção de Jesus, assim como ele pretendia que o Reino de Deus descesse à Terra durante sua vida. Como Buda ou qualquer outro ser iluminado, Jesus queria que seus discípulos também alcançassem a iluminação”, pondera Chopra.
 
Chopra observa ainda que ‘ego’ é um adversário que deve ser derrotado aos poucos. E o que é capaz de derrotá-lo? A satisfação mais elevada trazida pela paz interior, o amor, a tranquilidade e a realização pessoal, que não vê necessidade de buscar nada no mundo material. Somente a transformação é capaz de apaziguar o ego e colocá-lo no seu devido lugar. O melhor a fazer durante esse processo é ter paciência, pois, à medida que você se transforma, sente o ego perder gradualmente sua força. Não se esqueça de que o ponto de vista do “eu” não é o único que existe na vida. Você pode alcançar a realização pessoal sem se prender ao ego e, com o tempo, isso vai acontecer.
 
Nas palavras de Swami Kriyananda, “Os grandes Mestres nunca se opuseram aos ensinamentos uns dos outros. Afinal de contas, a verdade é universal e eterna. Ela nunca se altera. As descobertas científicas, aceitas por muitos como finais, perdem a ‘finalidade’ a cada tantos anos, quando fatos novos surgem à luz. Os Mestres, ao contrário, perceberam a verdade eterna e para sempre imutável. É isso o que eles, cuja missão é corrigir os mal-entendidos do público em relação à verdade, declaram em cada época e cada religião. Em sua habitual inquietação, os seres humanos sentem-se atraídos pela complexidade e são refratários à simplicidade divina, enfeitando as melodias puras da alma com variações gratificantes ao ego.”
 
Sobre os ateus
 
A reflexão permite-me citar Érico Veríssimo, em sua clássica obra “Olhai os lírios do campo”, 1938: “Vocês ateus nos querem tirar Deus para nos dar em lugar dele... o quê? É o mesmo que tirar pão da boca de quem tem fome e dar-lhe em troca um punhado de cinza ou de areia”.
 
Escreve Veríssimo: “Uma noite me disseste que Deus não existia porque em mais de 20 anos de vida não o pudeste encontrar. Pois que até isso se manifesta a magia de Deus. Um ser que existe, mas é invisível para uns, mal e mal perceptível para outros e duma nitidez maravilhosa para os que nasceram simples ou para os que adquiriram simplicidade por meio do sofrimento ou de uma funda compreensão da vida. Dia virá em que em alguma volta de teu caminho hás de encontrar Deus. Nunca encontrei um ateu sereno. Eles se preocupam tanto com Deus como o melhor dos deístas. O argumento mais fraco que tenho contra o ateísmo é que ele é absolutamente inútil e estéril: não constrói nada, não explica nada, não leva a coisa nenhuma”.
 
Em seu artigo “Deus existe” (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 13 de janeiro de 2010), Marcelo Coelho revela: “... Pois é inegável que acredito em muitas coisas que não sei bem como poderiam ser provadas cientificamente. Acredito que exista uma coisa chamada beleza, por exemplo. Se me pedirem para apontá-la, posso citar uma série de exemplos, uma série de manifestações da beleza no cotidiano; o crente pode apontar outras tantas manifestações de Deus, e ninguém provou nada com isso... A fé começa justamente onde termina o pensamento”.
 
Diante das decisões sobre qual o caminho a seguir, normalmente deveríamos seguir qualquer um que traga interiorização, a partir do ponto onde nós próprios nos encontremos, filosofa Kriyananda. Para esse pensador, entre religião formal e espiritualidade individual existe esta diferença: a espiritualidade não inspira a menor necessidade de convencer alguém. Aquele que segue o caminho interior sente apenas um desejo de amar a Deus cada vez mais profundamente. Ele dá amor espiritual gratuitamente a quem quer que o aceite. E uma vez alcançada a bem-aventurança, parece um privilégio doar em proveito da elevação alheia tudo o que temos e somos.
 
Na visão do amigo Roberto da Graça Lopes, “A vinda do Cristo em cada um se dá mais facilmente com o desenvolvimento da visão interior, alcançada pelo silêncio meditativo, pois não é nos mistérios revelados exteriormente que a Alma se completa, mas naquilo que fulgura em seu altar interno. Apenas as qualidades desse Cristo permeiam o nosso sentir, pensar e querer, santificando o nosso agir no mundo”.
 
Busco também inspiração em Swami Kriyananda, em sua obra ’Deus é para todos’: “Quanto mais conseguirmos nos identificar com a alma, em vez de com esse corpo e personalidade pequenos, mais concretas se tornarão para nós as palavras do Mestre Jesus, que declarou: Eu e meu Pai somos um só”.
 
Pensando nas possibilidades de exercitar o progresso pessoal e espiritual, mantenho duas lousas em minha sala de trabalho, onde estou sempre imprimindo novas palavras, de certa forma muito significativas: consciência, lealdade, paz, amor, intuição, compreensão, gratidão, perdão, compaixão, justiça, comunhão, doação, liberdade, transmutação, transcendência, elevação, sabedoria, transformação, tolerância, humildade, coragem, espontaneidade, misericórdia, imaginação criadora, atividade construtiva, harmonia, bem-aventurança, virtude, calma profunda, poder, flexibilidade, constância, luz, aprendizado, sensibilidade, alteridade, plenitude, superação, bom humor...  Apercebi-me mais claramente de cada uma delas em um dado momento. Despertei para a fulgurância de seu sentido profundo. São “minhas” palavras. Certamente outras palavras preencheriam a lousa de outrem. Nisto há também um exercício da pessoalidade (ainda que não egóica) e da liberdade, dois atributos da Cristicidade que paulatinamente incorporo. 
 
“Ser espiritual tem a ver com nossa forma de agir, levando em conta uma dimensão maior da vida. Ser espiritual é manifestar a presença de Deus em cada ato de nossa existência”, observa Roberto Shinyashiki, em sua obra “A coragem de confiar”. E essa manifestação tem de ser construtiva, pois não há outro caminho para manifestar o Cristo... Deus mais profundamente encarnado na Natureza humana.
 
Em “O poder do agora”, Eckhart Tolle comenta que você atrai e transmite aquilo que corresponde ao seu estado interior. O autor complementa: “Todas as pessoas com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à sua volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso quebra o ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as árvores, as flores, vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você ensinará através do ser, através da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a ‘luz do mundo’, uma emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a inconsciência do mundo”.
 
A mente pode e deve transformar-se para melhor, diz Dalai-Lama. Para o mestre, todos começam com as mesmas aptidões, mas algumas pessoas as desenvolvem, outras não. “Nós nos acostumamos com facilidade à preguiça da mente, sobretudo porque muitas vezes essa preguiça se esconde sob a aparência de atividade: corremos de um lado para outro, fazemos cálculos e damos telefonemas. No entanto, tudo isso ocupa apenas os níveis mais toscos e elementares da mente. E oculta o que existe de essencial em nós”, revela Dalai-Lama.
 
“Mude uma coisa, e todo o resto se desloca”
 
Em “Como acreditar em Deus” (Desvendando os textos sagrados), Clark Strand escreve: “Como é difícil abandonar nossos ressentimentos, corações partidos e desapontamentos acumulados! Com frequência demais preferimos ficar infelizes”.
 
Para Strand, quando pensamos em todas as maneiras complexas como interagimos uns com os outros no mundo moderno, é difícil imaginar que a solução possa ser algo tão simples como a empatia – a disposição de sentir o que os outros sentem e de estar pronto para abraçar seu sofrimento ou felicidade como nossos. Temos apenas de admitir para nós mesmos que nossa felicidade está ligada da maneira mais íntima possível à felicidade dos outros. O universo é feito dessa forma. Somos salvos todos juntos ou simplesmente não somos salvos – todas as formas de salvação seletiva são ilusórias, complementa. 
 
Costumo ser uma pessoa bastante prática. Então, para quem se identificou com o texto, proponho um desafio. A partir de amanhã, e sempre que possível, dispor-se a transformar hábitos e iniciar um processo de superação de limites, seja ao lidar com pessoas que eventualmente o aborrecem, seja incorporando novas ações diárias que possam beneficiar o seu próximo, principalmente.
 
É muito fácil lidar com pessoas afins. O desafio é aprender a lidar com todo aquele que nos é inoportuno, por exemplo. É neste particular que devemos exercitar a superação, a tolerância, a aproximação desinteressada, a solidariedade, o perdão, a compaixão, a imaginação criadora... Saibamos acolher os indiferentes e inoportunos e esperemos o resultado de nossa superação, quando o propósito for elevado.
 
“É possível um novo começo em cada novo momento da vida”, sugere Clark Strand. Ele revela também: “Mude uma coisa, e todo o resto se desloca. Perdoe uma pessoa em sua vida, ou procure o perdão do outro, e não há como dizer onde irá terminar. Pratique o perdão e o resto se resolverá, Jesus ensinou. Pratique o perdão, e o reino de Deus virá”.
 
O médico antroposófico imunologista Gildo Oliveira declara, em artigo publicado no Boletim da Sociedade Antroposófica (no  56, 2009): “Quando uma pessoa ilumina a si mesma com a verdade manifesta, ela ilumina o mundo, pois, como disse Jesus, ninguém acende uma candeia e a torna oculta aos outros, mas coloca-a no alto para poder iluminar tudo que está a sua volta”.
 
Tenha fé. Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, revela que a fé é a capacidade de superar a si próprio, de ir além daquilo que o Eu pode fazer para o seu próprio desenvolvimento. Tem fé aquele que acolhe o Cristo em si de maneira que o Cristo viva nele, ou seja, que seu Eu não represente mais um recipiente vazio, mas cheio e transbordante...
 
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Todas as citações são de livros e artigos que leio. Tenho o hábito de sintetizá-los para utilizá-los como referência em meus textos.

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