quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CULTURA DO MEDO

Foto: www.barryglassner.com
Acabo de ler “Cultura do Medo”, de autoria do sociólogo americano Barry Glassner, que recomendo principalmente para estudantes de Jornalismo. Essa obra tem o grande mérito de revelar como se dá a extraordinária manipulação das nossas atitudes e, a partir daí, como se deu o fantástico aumento de nosso sentimento de medo, explica o autor.

Adiante, compartilho com os meus leitores algumas questões importantes descritas por Barry Glassner, que levou cinco anos para pesquisar a mídia e escrever sobre o assunto.

Uma pergunta fundamental percorre todo o livro: por que há tanto temor na sociedade americana, e quais dos medos não têm fundamento?

Ao tentar responder a essa questão, Glassner diz que é preciso “aprender a identificar os medos exagerados ou falsos [...], aprender a distinguir entre acontecimentos isolados ou rumores e aqueles legitimamente verdadeiros”. Várias hipóteses são elaboradas simplesmente pelo bom senso, como a da responsabilidade da mídia, especialmente a televisão, pela cobertura dada ao crime, por exemplo. Evidentemente, qualquer estudo sobre a cultura do medo que deixasse de lado os efeitos e a influência da mídia sobre ela seria incompleta. Glassner deixa claro que não se trata de culpar a mídia, nem de simplificar o papel complexo que os jornalistas desempenham tanto de aumentar como de diminuir o temor da população. Muitos movimentos na sociedade civil se utilizam do sentimento de medo para proteção contra a ação de grupos específicos, e este livro identifica com sucesso quais são os mais poderosos grupos americanos a se aproveitar do medo do crime para estimular a população a tomar o fato como real.

Sentimos tantos medos, muitos deles infundados, que a argumentação prospera porque a mídia nos bombardeia com histórias sensacionalistas idealizadas para aumentar os índices de audiência, observa o escritor, que também admite:

[...] A mais clamorosa omissão ocorre na cobertura jornalística de crimes. Os negros são muito mais as vítimas do que os autores de crimes. Porém, enquanto vítimas, não atraem os mesmos holofotes da mídia que quando são os autores. Por causa da abundante cobertura de crimes violentos por telejornais locais, Caryl Rivers, professor de jornalismo da Universidade de Boston, observou que “noite após noite, os negros aparecem na sala de estar, roubando, estuprando e saqueando”. Uma grande quantidade de estudos mostra que, quando se trata de vítimas da criminalidade, a mídia dá uma atenção bem maior aos brancos e às mulheres.

[...] Outros alarmismos perenes devem sua longevidade a apoios poderosos. Durante três décadas, os presidentes americanos e as organizações de mídia trabalharam em uníssono para promover o medo a respeito do consumo das drogas. Ao contrário de quase todo outro risco, as drogas ilícitas não têm nenhum grupo interessado em defendê-las. Assim, as drogas são um assunto excelente para pesquisas de opinião e eleições.

O consumo de drogas é um problema grave, que merece muita atenção da opinião pública. Porém, o sensacionalismo, em vez da racionalidade, guiou o debate nacional. Pouco informados sobre quem usa drogas, que drogas as pessoas consomem e o que isso acarreta, desperdiçamos imensas quantias e não somos capazes de tratar de outros problemas sociais e particulares de modo efetivo.

Na década de 1980, quando houve um crescimento notável da pobreza, da falta de moradia e de outras calamidades urbanas afins, os presidentes Reagan e Bush, junto com grande parte do eleitorado, não fizeram caso do sofrimento de milhões de cidadãos prejudicados pela política de favorecimento dos ricos. Em vez de assumir sua própria culpa, responsabilizaram a droga. “O crack é responsável pelo fato de áreas imensas do cenário urbano americano estarem se deteriorando rapidamente”, decretou William Bennett, o czar do combate às drogas de Bush.

Subproduto da miséria social e econômica, o crack se tornou a justificativa para esse infortúnio. A sociedade americana ainda sofre a influência desse raciocínio perverso.

[...] Provavelmente, a dependência de políticos em relação à indústria farmacêutica para o levantamento de fundos para as campanhas eleitorais e a dependência da imprensa em relação à mesma indústria para receitas publicitárias têm algo a ver. No ano eleitoral de 1996, apenas o PAC (Political Action Committee) – Comitê de Ação Política – da indústria de substâncias medicinais distribuiu US$ 1,6 milhão para campanhas federais. E na indústria farmacêutica, o setor mais lucrativo da economia americana, estão os maiores anunciantes em TV, revistas e jornais.

Será que outros perigos estão recebendo menos atenção do que merecem e, em caso afirmativo, como os jornalistas justificam, em suas próprias cabeças, a cobertura desproporcional?

[...] Os perigos que matam e ferem muito mais pessoas recebem bem menos atenção. Em meados da década de 1990, enquanto a imprensa estava obcecada com os acidentes aéreos – que resultaram em menos de uma dúzia de mortes nos melhores anos e poucas centenas nos piores – mais de cinco mil americanos morreram por ano em acidentes de trabalho. Quase sete milhões sofreram ferimentos. Um número enorme dessas vítimas tinha menos de 18 anos; muito mais de cinco mil crianças e adolescentes por ano precisaram recorrer aos prontos-socorros com ferimentos provocados por acidentes de trabalho. Os repórteres vomitaram centenas de histórias sobre falhas hipotéticas da FAA (Federal Aviation Administration) em uma época em que existiam falhas profundas na OSHA (Occupational Health and Safety Administration) – Administração de Segurança e Saúde do Trabalho – agência criada por uma lei do Congresso em 1970 a fim de “assegurar, na medida do possível, que cada trabalhador e trabalhadora do país tenham condições saudáveis de trabalho”.
Um dos paradoxos relativos a uma cultura do medo é que os problemas sérios continuam amplamente ignorados, admite o sociólogo Barry Glassner. 

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