segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ciência da amizade

“Ciência da amizade” é o título de artigo publicado na Folha de S.Paulo (Equilíbrio) de 12/2/2004. Portanto, guardo-o há cinco anos. Volto a falar sobre o advento do blog e a oportunidade de eu poder compartilhar com os leitores tantos textos produtivos da minha coleção. É absolutamente fantástica a comunicação “on-line”, principalmente para pessoas, como eu, que chegaram a usar a máquina datilográfica para a redação de suas memórias, que ficavam guardadas em pastas. Eis a súmula do artigo “Ciência da amizade”:


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“Tomzinho querido:Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv’alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E, como sempre nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando”. (*)
(trecho de carta de Vinicius de Moraes a Antonio Carlos Jobim, do livro “Querido poeta – correspondência de Vinicius de Moraes”)
 

... “Amizade que acaba é porque nunca começou. Se não for algo que sai do pragmático, do imediato, não é verdadeiro”, revela o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella. 

Esse ciclo longo de relacionamento, segundo denomina o antropólogo José Guilherme Magnani, do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, não tem como base o trabalho ou lealdades específicas. A disponibilidade de trocas a longo prazo é o que sustenta as parcerias no decorrer do tempo, diz Magnani. 


Embora não se conheça por completo a química da amizade, o psicanalista Armando Colognese Júnior, supervisor do curso de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientae, de São Paulo, acredita que ela não acontece, pelo menos na forma duradoura e produtiva, com pessoas muito iguais entre si. “A amizade requer aquele raro ponto médio entre semelhança e diferença”, escreveu o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (l803-1882).


Outra característica que diferencia as amizades de longa data é a possibilidade de confronto sem ruptura. “Se você me importa, eu me incomodo com você. Incomoda-me se você está certo, errado, o que você fala e até a forma de você se vestir”, comenta Mario Sergio Cortella. Amigo é quem pode falar aquilo que não gostamos de ouvir.


O que faz surgir aquela amizade “para sempre” está além das explicações da razão. “Não é optativo. Todos tropeçam em pessoas com quem teriam esse tipo de relacionamento, mas podem reconhecê-las ou não naquele momento”, conta Armando Colognese.


A possibilidade de superar mágoas também é pressuposto e resultado de amizade duradouras, diz Colognese. Requer maturidade, é óbvio, e também uma das maiores virtudes do ser humano, segundo o psicanalista, que é a capacidade de reconhecer os próprios limites e saber onde procurar o que falta – e a amizade é um espaço privilegiado para essa busca.


Pesquisas médicas indicam que amizades são mesmo fundamentais para a saúde mental e física. Gerald Ellison, diretor do serviço de psiconeuroimunologia do Centro de Tratamento de Câncer da América, em Tulsa, Oklahoma (EUA), menciona que “sem amizades experimentamos isolamento, solidão, sentimentos associados a doenças. Amigos podem aumentar nossa esperança. E maior esperança está associada a melhor desempenho do sistema imunológico”.


Não é novidade que o apoio emocional de amigos ajuda a lidar com situações de estresse. Agora, uma pesquisa da Universidade da Califórnia (EUA) sugere que, nas mulheres, as substâncias produzidas pelo cérebro em resposta ao estresse levam-nas a procurar suas amigas. Aparentemente, quando é liberado um hormônio chamado oxitocina, os impulsos de lutar ou de fugir, associados ao estresse, são substituídos por uma tendência para se unir aos amigos e dar carinho, explica Laura Cousin Klein, professora de saúde biocomportamental na Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Quanto mais a convivência é realizada, mais oxitocina é liberada, o que produz um efeito calmante e reduz o estresse.


Amizades sólidas também propiciam uma velhice melhor. “Principalmente se você tem o privilégio de conviver com jovens com quem criou vínculos de afeto sem que eles sejam de sua família” (**), diz o advogado e ex-ministro da Justiça José Gregori, 73. Gregori tem um grupo de jovens amigos e acha que a amizade de velho com jovem é geralmente plural. “Mais ou menos a idéia de Sócrates e seu grupo, mas pensando como discípulos do meu afeto”, diz. 


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(*) Lembrei de ti, João Demarchi, 16, meu “afilhado cultural”, como me reconhece. Só que as tuas cartas (especialmente manuscritas) demoram, mas chegam! 


(**) Também lembrei de ti, brother Lineu, e concordo plenamente com o ex-ministro José Gregori.

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