sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Biblioteca de São Paulo: um espaço sagrado

Entre achados e descartados, distraio-me com a seleção de textos de jornais e revistas dignos de registro para a posteridade. Sim, pois jornais e revistas não são como livros, que se eternizam. Após lidos, os veículos da mídia são descartados. E, com isto, alguns registros e ideias preciosas de jornalistas são muitas vezes passados despercebidos. Esta é também uma das vocações deste blog: reproduzir registros jornalísticos que possam levar à reflexão e contribuir, assim, para mudar as pessoas e suas atitudes.
 
Sete anos depois de ser criado no terreno onde funcionou a Casa de Detenção do Carandiru, o Parque da Juventude deve surpreender seus usuários a partir do dia 9 de fevereiro, escreve Daniel Nunes Gonçalves no artigo “Biblioteca de São Paulo no antigo Carandiru” (revista Veja São Paulo, 13/2/2010). Foi inaugurada ali, em uma área de 4 200 metros quadrados, na Avenida Cruzeiro do Sul, a Biblioteca de São Paulo, com projeto do escritório de arquitetura Aflalo & Gasperini. “A fachada modernosa chama atenção pelo toldo em forma de velas de barco e o interior faz lembrar uma megastore. Seu acervo reúne 30.000 livros novinhos em folha. Além do catálogo completo das editoras Companhia das Letras, Cosac Naify, José Olympio e Record, o centro cultural disponibiliza mais de 1.000 livros em braile e audiolivros. ‘Para formar novos leitores, é preciso oferecer títulos atraentes’, afirma a diretora Magda Montenegro. O espaço conta com oitenta computadores conectados à internet e 4.000 CDs e DVDs para empréstimo”, conta Daniel Nunes.

“A antítese é forte. A metáfora se torna óbvia. Onde antes funcionava uma prisão, agora haverá a liberdade: do conhecimento, das ideias, dos livros”, relata Edison Veiga no artigo “Biblioteca no antigo Carandiru abre hoje” (Jornal da Tarde, 8/2/2010). O endereço? O Parque da Juventude, no mesmo ponto onde ficavam os pavilhões da Casa de Detenção do Carandiru, zona norte de São Paulo, observa Veiga. Segundo o jornalista, o projeto tem tudo para mudar o modelo de biblioteca pública.

“Esqueça as sisudas estantes, o ambiente escuro e a bibliotecária pedindo silêncio. A nova biblioteca terá um ambiente colorido e moderno, com 30 mil livros ao lado de 80 computadores, CDs, DVDs, jornais e revistas, além de sete Kindle, aquele aparelhinho que lê livros digitais.

Os funcionários - a equipe terá 50 pessoas - estarão instruídos a agir como vendedores de livros, oferecendo dicas para os visitantes. ‘Basta as pessoas chegarem e já iremos puxar conversa sobre livros’, resume a diretora Magda”, relata Edison Veiga.

Veiga descreve que, em nome da acessibilidade, haverá equipamento para transformar livros normais em áudio ou braile. As mesas serão reguláveis e disponibilizados folheadores automáticos de páginas para quem tem restrições motoras. E que a nova instituição tem a missão de ser a central das 961 bibliotecas públicas paulistas - espalhadas em 602 dos 645 municípios do Estado. Essa ideia é sonho antigo. Começou a ser cogitada nos anos 40, mas por motivos históricos jamais foi concretizada, complementa o jornalista do Jornal da Tarde.


Anjos ajoelham...

Ignácio de Loyola Brandão: muito obrigado pela emoção que me proporcionou a sua crônica “Uma biblioteca e os anjos ajoelham”, publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S.Paulo (12/2/2010). Fez-me lembrar até do amigo-irmão Roberto da Graça Lopes e das duas, das grandes paixões de sua vida: árvores e bibliotecas. Pensei imediatamente em guardar a crônica e oferecê-la ao grande irmão. Certamente, ao lê-la, seus olhos se encherão de lágrimas!

“Então, cheguei ao meu destino, Carandiru. Lá está a Biblioteca de São Paulo. Muitos anos atrás, Maria do Rosário, minha mãe, mulher simples de Araraquara, exclamava ao saber que uma coisa boa tinha acontecido: ‘Os anjos estão ajoelhados’. Na segunda-feira, quando saltei do metrô e atravessei a extensa e ensolarada Praça da Juventude, rumo à biblioteca, percebi que no céu os anjos estavam ajoelhados e provavelmente as 11 mil virgens também, agradecendo por mais uma biblioteca nesta cidade”, escreve Loyola, com sua perspicaz sensibilidade.

Confesso que, conta o articulista, além dessas legiões espirituais, também os escritores, professores, leitores estão agradecendo. “Quem abre uma biblioteca deve receber indulgência plenária. Quantos ainda sabem o que são indulgências?”

Indulgência é a disposição para desculpar ou perdoar. Ou a remissão total ou parcial das penas relativas aos pecados, segundo a descrição do Dicionário Completo da Língua Portuguesa.

Ignácio de Loyola conta também que, neste Brasil, onde livros custam caro, as bibliotecas são a solução. Na infância e juventude, ele teve a sorte de contar com duas: a de seu pai e a biblioteca municipal que tem o nome de Mário de Andrade. Ele almoçava, voava para a Prefeitura e se enfiava na mesa, devorando livros.

“Sei o que é uma biblioteca, sua aura, seu espírito. Eu me fiz dentro delas...”, revela Loyola.

“Viva! Uma biblioteca iluminada...”

Na Biblioteca de São Paulo, circulando pelo saguão tomado pela luz do sol (“Viva! Uma biblioteca iluminada, ventilada, não soturna”), antes de subir para a ala dos adultos, Loyola viu as fileiras de computadores e o monte de livros infantis ao alcance das mãos. “E gibis, hoje histórias em quadrinhos. As crianças poderão agarrar, ler, olhar, mexer, virar, que livro é feito para ser manipulado, assim é que a gente se apaixona por objetos e pessoas.
 
“Bibliotecas são lugares de prazer, convívio, leitura, diversão, devedês, cedês, teatro, música, computador, paquera, tudo o que agita o mundo. Nada de solenidades. O espaço da Biblioteca São Paulo, estatal, repousada sobre um verde luminoso, dissolverá os fluidos deixados pelo presídio. Bela ideia a de aproveitar o lugar, imenso, agora aconchegante, dirigido por Magda Montenegro”, comenta Loyola.

Livros e moradores de rua...

Ao ler o final da inspiradora crônica de Ignácio de Loyola, pensei: este sim é um raro exemplar de ser humano verdadeiro. Alguém lhe pergunta se concorda com que moradores de rua possam retirar livros. “Sim, se quiserem, também eles têm o direito de ler”. E se roubarem? Povo não rouba livro, respondeu.

Ele revela que já deu muito livro a morador de rua, lá na João Moura. Deu até óculos. “Tinha um que lia e relia a ‘Bíblia’, devia saber de cor. Dei a ele John Updike, Antonio Torres, Menalton Braff, Luiz Ruffato, Márcia Denser, Joca Reiners, Ivana de Arruda. Adorou. Quem conhece Brasília sabe que ao longo da W 3, que atravessa a cidade, os pontos de ônibus abrigam as estantes do centro cultural T Boné, com centenas de livros. Você apanha, leva, devolve outro dia, em outro ponto. As estantes ficam abertas dia e noite. Ninguém rouba, ninguém destrói. Acreditemos no povo”, finaliza o mestre incentivador da leitura. 

Que bom, que bom!... Que notícia mais agradável!... Naquele lugar tão triste, onde existia um presídio, a biblioteca ali construída permitirá atrair o fluxo de novas energias cósmicas universais, tão essenciais para a capital paulista e para o mundo. Certamente, muitos anjos, de mãos dadas, serão atraídos para iluminar o local e abençoar as pessoas que ali circularão com o propósito de ampliar o saber e com outros propósitos elevados com a vida. Parabéns aos felizes idealizadores dessa construtiva casa do saber, a Biblioteca de São Paulo.
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Biblioteca de São Paulo. Parque da Juventude

Avenida Cruzeiro do Sul, 2.500, Santana. De terça a sexta-feira,

das 9h às 21h; sábados, domingos e feriados, até 19h.


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Ilustração: http://revistacasaejardim.globo.com (fotos: Mayra Acabaya e Márcia Alves), “São Paulo inaugura nova biblioteca”. Não deixe de ver as outras fotos da biblioteca nesse site.

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