quarta-feira, 4 de julho de 2018

SILÊNCIO E SOLIDÃO


Com base na obra “Espiritualidade para Corajosos” – A Busca de Sentido no Mundo de Hoje, de Luiz Felipe Pondé





Luiz Felipe Pondé, nascido em 1959, é filósofo, escritor e ensaísta; doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv (Israel).


“HÁ um vínculo profundo entre as principais formas de espiritualidade e a busca de sentido na vida. A busca do repouso é uma constante. Silêncio e solidão são sinônimos na vida espiritual. O silêncio fala da superação de toda forma de ruído a serviço da mentira social que sustenta o que há de falso no mundo. Muito além da fé em qualquer religião, a espiritualidade é a busca por uma conexão com algo maior, divino...”




... transcendental: que está acima da razão ou uma experiência sublime; que está além dos limites conhecidos do Universo.






 Nessa sua obra, que li recentemente, Pondé discute se é preciso ter coragem para manter uma vida espiritual e qual é a relação da espiritualidade com a moral, a ética e as regras da vida cotidiana.
Tom Simões





·       Espiritualidade, Silêncio e Solidão 


   
Este é um dos 31 curtos e inquietantes capítulos do livro de Luiz Felipe Pondé. Confira o que o autor escreve sobre o silêncio:


    



“[...] O SILÊNCIO das palavras, muitas vezes, fala mais que seus ruídos. E o silêncio tem um lugar essencial na espiritualidade. Já o ruído está mais para seu inferno.”





[...] MUITA gente resumiria a busca espiritual como a busca da solidão (não abandono) e do silêncio na vida. O silêncio é uma forma de repouso. O espírito fala muitas línguas, e uma delas, talvez, a mais essencial, seja o silêncio.









“[...] CLARO que me refiro aqui ao silêncio em sua forma exterior e concreta: ausência de barulho, som, ruído. Mas, ao mesmo tempo, ouvir o vento nas árvores e o som dos pássaros. Um pequeno pedaço da natureza numa de suas faces mais belas. E mais importante: esse silêncio que está ali encarnado no mundo, pois ele nunca é simplesmente um vazio de sensações auditivas. Existem muitas formas de silêncio que caracterizam a vida espiritual, mas todas elas passam pelo repouso psicológico no silêncio, na possibilidade de não desejar o ruído do mundo como reforço de nossa existência. Por isso que o silêncio é, antes de tudo, uma forma de libertação: libertação da necessidade de ser parte do ruído do mundo. Hoje é muito comum que, para existir, muita gente pense que deve gritar para ser ouvida, no mundo a sua volta e nas redes sociais.”










[...] POR QUE a solidão é tão importante na vida espiritual, mesmo em meio à vida urbana? Porque a solidão também é repouso. Em toda tradição religiosa, a vida espiritual implica alguma forma de busca da solidão. Os primeiros monges cristãos iam para o deserto em busca do enfrentamento dos demônios interiores, num esforço para testemunhar o encontro com Deus. Nesse sentido, a solidão, assim como o silêncio, são conquistas, ‘lugares’ a serem encontrados, por isso sua contínua relação com a ideia de buscar espaços distantes das cidades para se realizarem.”




“[...] O SILÊNCIO espiritual só se instala quando você esquece de você mesmo, quando você está ‘morto’ para si mesmo, algo impossível no mundo de consumo de bens de significados como o nosso. Por isso Jesus diz que para se salvar você tem que primeiro perder a vida.”





[...] SILÊNCIO e solidão são sinônimos na vida espiritual. O silêncio fala da superação de toda forma de ruído a serviço da mentira social que sustenta o que há de falso no mundo. É a possibilidade de olhar dentro de si mesmo sem nenhuma voz que impeça o autoconhecimento para além de qualquer projeto de felicidade. A solidão é a face ‘geográfica’ desse silêncio. A condição de possibilidade física para esse silêncio se manifestar.”





PODE-SE estar só em meio a um enorme ruído interno, assim como estar em meio à cidade e atingir um razoável grau de solidão e silêncio. Evidentemente que locais em meio ao silêncio da natureza são mais propícios do que um mercado cheio de gente comprando coisas. Solidão e silêncio são qualidades internas, antes do que externas, ainda que se alimentem destas.”





“TALVEZ um dos grandes desafios para quem busca alguma forma de vida espiritual consistente em nosso mundo seja a possibilidade de viver em silêncio e em solidão em meio à cidade. Não acho impossível isso acontecer, ainda que a geografia da vida espiritual repouse mais facilmente no campo e não numa avenida cheia de carros. Eu arriscaria dizer que a chave é o cansaço, como o cansaço de Sísifo (*) de Albert Camus. Cansar de servir ao sucesso e à felicidade é, seguramente, a chave para atingir alguma forma de silêncio e solidão no mundo urbano contemporâneo. [...] No mundo contemporâneo só o cansaço como ‘emancipação’ pode nos levar ao repouso espiritual.”
(*) ‘O mito de Sísifo’ é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus, em 1941. No ensaio, Camus introduz a sua filosofia do absurdo: o homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível, desprovido de Deus e eternidade.



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E para complementar, outra ideia escolhida, de um outro autor:




Em seu texto ‘Reencontrar o templo do silêncio interior’, http://www.franciscanos.org.br/?p=40365, frei Almir Ribeiro Guimarães faz uma inspiradora reflexão sobre a urgência de buscar a aquietação interior e o silêncio, ou seja, tentar encontrar o caminho do interior, até o centro do coração, ali onde o homem desperta para si, desperta para Deus.

Frei Almir descreve assim: “Não dá mais para viver na superficialidade das coisas. Chegou a hora de reencontrar o caminho do interior, do silêncio eloquente. Andar lentamente, caminhar, fechar os olhos, deixar a beleza nos penetrar: beleza de um salmo recitado lentamente, beleza de uma música que vai até o fundo, beleza de horas de silêncio. Não suportamos mais gritos e berros, baterias e atabaques, zoada e barulheira perturbadora. Barulho de nosso ego, desse mundo inquieto que fabricamos para nós mesmos. Temos saudade de ouvir o correr suave do regato sobre as pedras do ribeiro, de escutar a brisa que baloiça as roseiras e as azaleias e nos dar conta de um murmúrio dentro de nós. Seria o farfalhar do Espírito?”.

O máximo de ruído que se escuta - brinda-nos frei Almir - é o crepitar da vela que fora acesa para a recitação da liturgia. “Antes da entoação dos cânticos, há o silêncio. Olhos fechados, corpo sereno, mente acalmada. As portas do coração dos religiosos estão abertas para ouvir Aquele que fala no silêncio. E se cantam os hinos, cantam os salmos, misturam aleluias, mesclam tudo com longos momentos de silêncio. Fala a letra do salmo. Fala o silêncio no asterisco do salmo. E como fala! Há silêncio dos sons externos... Mas há antes de tudo esse silêncio do esvaziamento. E a pessoa que sai da capela, depois da Missa, é pessoa vestida de silêncio, grávida do Deus que fala no silêncio.”


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