quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Carnaval, canoagem e sincronia

Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, 06 de fevereiro de 2016, domingo de Carnaval






ÉRAMOS 24 canoeiros aproximadamente, distribuídos em cinco canoas havaianas. Todos paramentados. Para homenagear o Carnaval, por que não, apesar de uma confraternização alegre ter sido o objetivo da ‘aula’ das 10h30 do sábado.  A ‘Praia do Góis’, Guarujá (SP), foi o destino da viagem. Com 250 metros de extensão, o rústico recanto litorâneo, cercado por morros cobertos de mata atlântica, é habitado basicamente por pescadores. 

Nas adjacências, alguns frequentadores dos bares originais, que oferecem serviços aos visitantes, ancoram seus veleiros na praia. Outros visitantes chegam em canoas, remando. Mas é possível também o acesso dos forasteiros com a embarcação que transporta os moradores do Góis, que sai da Ponte dos Práticos, da orla de Santos, do outro lado da Barra.

“Eu não troco este momento único de felicidade com os amigos canoeiros pela sofisticação de qualquer um daqueles atraentes veleiros”, comentou uma amiga canoeira.

A paixão pela canoagem não envolve apenas a prática em si, mas, sobretudo, a união de pessoas com propósitos comuns de observar a vida, buscando a sua simplificação e o desejo de experimentar o sentido da felicidade verdadeira.





Remar numa canoa havaiana significa unir esforços e respeitar um ao outro, sobretudo visando superar limites pessoais e valorizar o espírito de equipe. Há um termo que define bem esse espírito de convivência salutar: ‘convivialidade’, ou seja, a capacidade em favorecer a tolerância e as trocas recíprocas de grupos de pessoas; saber lidar com a convivência.

Canoeiros pedem licença a seus companheiros de viagem, pedem desculpas, prontificam-se a auxílios mútuos, acolhem generosamente o novo remador e vibram com o seu progresso, falam sobre coisas de interesse de todos os praticantes da modalidade. O professor Felipe já interrompeu uma aula, chegando até mesmo a se ferir, para salvar, numa rocha junto ao mar, uma ave marinha com um anzol preso na garganta. Observando certa vez um senhor ajoelhado numa prancha, parado, praticando o ‘stand up’, perguntou-lhe se necessitava de ajuda. O homem acenou, agradecendo, mostrando que estava tudo bem.

Felipe é bastante severo em suas aulas. Mas amante da natureza e de todos os seus discípulos, indistintamente. “A fantasia de ‘pirata’, o aventureiro dos mares, caiu-lhe muito bem”, disse uma remadora. Todos queriam fotografar a seu lado. Dentre todas as fantasias, havia outro pirata, Aloisio Couto, e uma charmosa enfermeira, Selma Ribas Couto, esposa de Aloisio. Selma é a espécie de mãe da família ‘Poseidon Canoagem’, do Clube Internacional de Regatas de Santos. Criativa e extremamente generosa, está sempre programando algo diferente para fortalecer a integração dos amigos remadores.

Selma comenta: “Eu fiquei muito feliz e até rouca, de tanto rir. Observava todos felizes, os amigos do mar, alguns com esposa e filhos. Ver o professor Felipe, sempre tão sério, incorporar firmemente o ‘Capitão Pirata’, surpreendeu-me. E o Cláudio Ribeiro (este aqui um canoeiro do tipo ‘pau pra toda obra’, sempre pronto para colaborar), fantasiado de ‘Zorro’? Ele levou até a mãe para remar pela primeira vez! Cada um fantasiado do seu jeito reviveu ali a criança que foi um dia. Era esta a intenção. A canoa enfeitada, curiosos nos fotografando... Motoristas paravam seus automóveis, na avenida da orla de Santos, apontando os canoeiros e sonhando, talvez, um dia experimentar a canoagem!” Claudinho, essa notável figura humana, com  sua característica peculiar, ‘o permanente sorriso acolhedor’, é como um símbolo da equipe de remadores.

Como revela o teólogo Leonardo Boff, em sua obra ‘Tempo de Transcendência, o ser humano como um projeto infinito’: “É só se comunicando, realizando essa transcendência concreta na comunicação, que o ser humano constrói a si mesmo. É só saindo de si, que fica em casa. É só dando de si, que recebe. Ele é um ser em potencialidade permanente. Então, o ser humano é um ser de abertura, um ser potencial, um ser utópico. Sonha para além daquilo que é dado e feito. E sempre acrescenta algo ao real.”

Foi esta a proposta da aula de canoagem com espírito carnavalesco: ir além do proposto, da mesmice, do enquadramento comum. “Vamos nos fantasiar e nos divertir, como uma forma de saudar o exemplar espírito de equipe e a oportunidade da experiência enriquecedora que a canoagem agrega à nossa vida”, era o propósito em comum dos navegadores. 

Coincidentemente, redigindo este texto, eu lia Leonardo Boff, quando me defrontei com algo do teólogo como que escrevendo diretamente para a família ‘Poseidon’: “O ser humano vê o real transfigurado. Essa capacidade é o que nós chamamos de transcendência, isto é, transcende, rompe, vai para além daquilo que é dado. Numa palavra, eu diria que o ser humano é um projeto infinito. Um projeto que não encontra neste mundo o quadro para sua realização. Por isso é um errante, em busca de novos mundos e novas paisagens”. A conclusão que tiramos desse fato, prossegue o escritor, é que não devemos nos deixar enquadrar por ninguém, por papa nenhum, por governo nenhum, por ideologia nenhuma, por revelação nenhuma. Por nada no mundo, porque tudo é menor. “O ser humano é um projeto ilimitado, transcendente, não dá para ser enquadrado. Ele pode, amorosamente, acolher o outro dentro de si. Pode servi-lo, ultrapassando limites. Mas é só na sua liberdade que ele o faz, é só quando se decide a isso, sem nenhuma imposição. Não há nada que possa enquadrá-lo, nenhuma fórmula científica, nenhum modo de produção, nenhum sistema de convivialidade. [...] Não nos deixemos mediocrizar, mantenhamos nossa grandeza, nossa capacidade de vôo, nossa capacidade de transcendência.”

O que restou então da inusitada aula num sábado de Carnaval? Alegria, alegria, alegria! Alegria espontânea que contagia, que reforça o exemplar espírito humanitário de toda a equipe. Porque há uma palavra-chave nas aulas de canoagem: ‘sincronia’. É essa a palavra insistentemente repetida pelo professor Felipe: “Sincronia, pessoal!” Sincronia no remar e no sentir. Porque sem ela a canoa não atinge o seu melhor desempenho.

Daí a gente observar que os adeptos da canoagem têm tudo a ver com o desejo de se enturmar com pessoas afins interessadas no progresso humano e espiritual. Porque a canoa não sai do lugar se não houver companheirismo, se cada um se preocupar unicamente com  seu próprio desempenho.

Com a prática do esporte, acaba-se descobrindo pessoas com propósitos de vida semelhantes, que buscam o essencial da natureza humana, que desejam simplificar os seus desejos ilimitados, enfim, que buscam fontes de inspiração na Natureza e trocas mútuas de relacionamento produtivo à medida que vão se conhecendo melhor.




Eu não quero o sucesso. O sucesso não me diz nada. Eu quero é mesmo sentar no banco da canoa e apreciar o mar, o vasto horizonte, a lua, as estrelas, o por-do-sol, a chuva abastecendo o oceano... O silêncio e o perfume das águas marinhas, o saltitar de alguns peixes como que saudando os homens que se atrevem a remar e experimentar a indescritível sensação de liberdade sobre as águas oceânicas. Canoeiros são seres humanos privilegiados: o ato de tornar sincrônico o pensamento e a ação de pessoas conectadas que estreitam relacionamentos, através dessa prática esportiva, transforma-os em indivíduos melhores para si próprios e para o Mundo.

A ‘Oração da Paz para o Mundo’, de Sanat Kumara, através de Marlene Swetlishoff, encaixa-se como uma luva para nós, canoeiros: “Apelamos a todas as forças benevolentes de Luz para se juntar conosco quando nós invocamos paz, harmonia, união, cooperação e milagres para o nosso belo planeta Terra, toda a Humanidade sobre e dentro dela, e todos os Reinos, conhecidos e desconhecidos, que trabalham incessantemente em nome da restauração do Plano Divino como pretendido pelo Criador Primordial. Montamos esta intenção em nome de todos e para o bem maior e o melhor resultado para todos. Que a paz se manifeste na Terra! Que a paz se manifeste na Terra! Que a paz se manifeste na Terra!”. 

Sejamos, portanto, nós, irmãos da canoa, agentes da paz na Terra. Sejamos todos responsáveis por semear a Paz neste Planeta por já reinar em nós o bem-aventurado espírito da união e da solidariedade. Agora, a ‘Poseidon Canoagem’ está convicta de que, até mesmo em dias de folia carnavalesca, é possível manifestar esse desejo de Paz. Muitas pessoas que passavam pela avenida, andando, correndo ou em seus automóveis, e presenciavam a equipe reunida fantasiando-se e enfeitando as canoas antes do início da inusitada navegação, certamente levaram consigo algo mais do que um espetáculo diferente, levaram algo com um sentido maior: o desejo de fazer parte de um grupo como aquele, que refletia alegria e felicidade incomuns.


Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli


Inspire-se um pouco mais, complementarmente: https://www.youtube.com/watch?v=PGMw-EMVFhM


5 comentários:

  1. Muito linda esta reflexão, você conseguiu explicar o inexplicavel prazer e amor pelo mar e maravilhosa sinergia entre os membros desta grande família.
    Parabéns tom, você é fda!

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Que bacana, Aloisio. Vocês todos da família Poseidon têm tudo a ver com essa minha inspiração. Descrevi fielmente o que foi ditado pelos meus sentimentos. Beijão, grande cara!

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  2. Muito legal, Tom Simões, meu irmão. Tá ficando muito bom no ofício de motivar com as palavras. Seja abençoado no trabalho que você, livremente, escolheu fazer. Parafraseando o Couto: cê tá ficando fda! Grande abraço, Roberto da Graça Lopes

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  3. Tom maravilhosos momentos que vc descreveu tão bem !

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