quarta-feira, 13 de maio de 2015

Função social do jornalismo


Função social do jornalismo


Tempo de conciliar informação com educação dos leitores

Jornal Entrevista, Agência de Jornalismo, Universidade Católica de Santos (UniSantos), http://agenciajor.blogspot.com.br/2015/04/tom-simoes.html, março 2015


Tom Simões dirige o Centro de Comunicação do Instituto de Pesca

CERTAMENTE, as pessoas só passam a valorizar a experiência na universidade após muitos anos; é muito comum os ex-colegas, já com a vida estabilizada, sentirem necessidade de rever a turma apenas quando ficam bem mais velhos, daí os emocionados reencontros.

Por volta dos anos 1960, dominava ainda a ideia de que o jornalista tinha de ser polivalente, conhecedor das mais diferentes áreas (política, economia, direito, relações internacionais, sociologia, esportes, artes...), sendo ainda raro o foco na especialização. No meu caso, sentia-me um tanto desestimulado, por não ter despertado ainda interesse por uma área com a qual me identificasse. Outro dado importante no período em que estudava é que eu não tinha o hábito da leitura, que só fui adquirir muitos anos depois. E a leitura intensiva, se os estudantes de jornalismo desejam saber, é o que alicerça a facilidade de criar e o domínio da redação. Portanto, é fundamental que o estudante que não tenha esse hábito, esse interesse absolutamente necessário, comece a ler, ainda que seja uma página diária de um livro, o que poderá fazer focado em temas de interesse próprio. Porque a leitura é como andar de bicicleta, por exemplo, depois que se aprende a andar, não se esquece mais, e cria-se o saudável hábito de superar distâncias. Adquirindo-se o hábito e o prazer de ler, a gente nunca se sente solitário, pois o livro passa a ser um companheiro inseparável.


Por trabalhar numa instituição de pesquisa, acabei enveredando pelo jornalismo científico; na época, uma área ainda muito incipiente no Brasil. José Reis foi o grande desbravador da ‘popularização da ciência’ brasileira, como é conhecido o jornalismo científico. Trabalhei sempre no Instituto de Pesca, ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Durante 17 anos, dirigi o Museu de Pesca de Santos e há aproximadamente 18 anos dirijo o ‘Centro de Comunicação e Transferência do Conhecimento’ da referida instituição científica. O principal foco jornalístico do meu trabalho é o site www.pesca.sp.gov.br No Museu, a minha formação no jornalismo favoreceu a diversificação de exposições museais e a realização periódica de eventos especializados, fato que registrou na época os maiores recordes históricos de visitação a esse Museu, que é a principal atração turística da cidade de Santos.

Realizei-me no jornalismo científico, mas faltava algo para uma realização mais ampla, algo que experimento com o blog www.tomsimoes.com, que criei em 2008. Com o advento do Facebook, atingi a plenitude nessa espécie de jornalismo independente. O foco do blog é o autoconhecimento e a opção pelo Face foi em razão de divulgar o blog. Funcionou, e muito bem! O blog tem como propósito a autorreflexão, para transformar o leitor numa pessoa melhor para si próprio, a família e a sociedade.

Infelizmente, poucas pessoas demonstram interesse no assunto: trata-se de um público determinado, interessado na leitura capaz de ensiná-lo e transformá-lo. Fala-se que o indivíduo, ao ler algumas obras sobre o autoconhecimento, não consegue ser mais o mesmo; ele passa a expandir gradativamente a sua visão humanística, renovando-se permanentemente. No blog, eu sei que escrevo para poucos, mas não importa o tamanho do público, como alguém escreveu, o importante é fazer um bom trabalho. Mesmo porque não dá pra gente considerar apenas cada leitor, porque cada pessoa reproduz de alguma forma o que lê, aquela coisa do processo da comunicação de boca-a-boca, das pessoas influenciadas por outras, algo difícil de mensurar.

Ainda creio que o jornalismo diário está longe de ‘formar’ leitores. O seu foco sempre foi informar, perdendo a oportunidade de aliar informação com educação. Quando é, por exemplo, que a primeira página dos jornais tem como destaque um fato que emocione positivamente o leitor? É sabido que o sensacionalismo mantém o jornal, mas não daria para inserir também, subliminarmente, como manchete, um fato e outro capaz de levar positivamente o leitor à reflexão?


Comunicação Educativa

Eu penso de maneira igual em relação às telenovelas. Em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo (5/4/2015), Mauricio Stycer entrevista Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, autor de inúmeros livros e estudos acadêmicos. Em livro publicado em 2005, Janine revela que a novela é o gênero dramático em que o Brasil melhor se saiu.

Na visão do ministro, os folhetins da Rede Globo, em especial, captaram o espírito do tempo e têm grande alcance social. “É errado dizer que a TV não educa. Ela varreu preconceitos de costumes. [...] Tenho defendido as novelas. Contra a opinião de muitos colegas da universidade, sustento que elas têm papel positivo na transmissão de certos ideais, em especial o da igualdade da mulher em relação ao homem e o da condenação do preconceito de raça.”

Com base nesse conceito, eu imagino como seria produtivo para o público a telenovela inserir com frequência em seus enredos, ainda que subliminarmente, um personagem destinado a uma função educativa, capaz de emocionar o telespectador a ponto de motivá-lo a mudar conceitos e comportamentos. Creio que essa espécie de personagem pode adquirir um sucesso inesperado, servindo de estímulo para outras produções televisivas.    

Quem deseja uma boa referência atual? Paraisópolis, na zona oeste de São Paulo, é cenário de novela que estreia em 11 de maio, às 19 horas, na Rede Globo, ‘I Love Paraisópolis’. Os moradores querem usar a exposição em rede nacional de TV para cobrar antigas promessas da prefeitura e do governo do Estado. A lista é longa: transporte, hospital, saneamento básico, creche para cerca de 3.000 crianças e melhoria no serviço de policiamento. A favela abrigou parte das filmagens, e casas de moradores viraram cenário, segundo a Folha de S.Paulo (“Caótica, ‘favela global’ usará fama para cobrar melhorias”, 19/4/2015).

Pois bem, o jornal também tem experiências nesse sentido como destaques em primeira página. Não basta elencar nas manchetes os erros e a corrupção do governo, a violência humana, o jogo entre Corinthians e São Paulo..., há fatos excepcionais de superações humanas, por exemplo, por vezes noticiados em pequenos espaços de jornais, que podem ser transformados em produtivas e educativas manchetes. Se há espaço especial para tanta safadeza política e desgraças humanas, por que não conciliar o sensacionalismo com algo que também leve o leitor a uma leitura capaz de levá-lo à reflexão, educando-o? A Folha de S.Paulo, da qual sou assinante, tem experiências singulares nesse sentido, ainda que em raras oportunidades.

Nizan Guanaes, empresário e publicitário brasileiro, ombudsman da Folha de S.Paulo, fez este excelente e oportuno comentário, em 29/9/2014, ‘Ombudsman por um dia: Surpresa!’, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1524016-obudsman-por-um-dia-surpresa.shtml Até então, eu me sentia um tanto solitário pensando na forma como o conceituado publicitário aborda o assunto: “Vendo o Facebook, o Twitter e o Instagram, fica muito claro que os seres humanos do século 21 não querem só conversar sobre política e economia. O homem de hoje é um ser renascentista. Ele quer falar de comida, mas também quer falar de nutrição. Quer falar de futebol, mas também de maratonas, ironman e surfe. Ele quer falar sobre negócios, mas quer ler sobre todos os flagelos que afligem os CEOs e os executivos hoje, como o stress e a exaustão digital. E os jornais podem fazer tudo isso sem macular o jornalismo, como comprovam de maneira esplêndida o The New York Times, o The Guardian e o Financial Times, para citar alguns exemplos”.

Com páginas e mais páginas com os horrores do dia a dia e as publicidades da vida, há espaço suficiente para incluir a satisfação e o aprendizado do leitor no noticiário diário. Creio eu, com grande esperança, que a mídia, hoje predominantemente informativa tome tal rumo.



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5 comentários:


  1. Mídia ignora a pobreza extrema no Brasil

    http://www.hypeness.com.br/2015/04/ong-faz-ensaio-fotografico-chama-a-atencao-para-a-extrema-pobreza-no-brasil/


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  2. EM SUA edição 2420 (8/4/2015), a revista Veja, na carta ao leitor denominada ‘A religião e a ciência’ cita o seguinte: “A vida interior tem precedência sobre todas as outras. Cultivá-la é um assunto sério. ‘Veja’ nunca perdeu de vista essa dimensão humana no cumprimento de sua missão de informar, esclarecer e entreter o leitor, elevando seu nível de compreensão dos fatos, dos fenômenos sociais, políticos, culturais, econômicos e tecnológicos relevantes para sua vida pessoal, familiar e profissional. Regularmente, desde sua criação, há 46 anos, a revista traz reportagens que abordam a necessidade de as pessoas buscarem respostas a suas mais profundas ansiedades, indagações e perplexidades”.

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  3. A FICÇÃO DÁ LUGAR À REALIDADE, Folha de S.Paulo, 4/8/2014

    Se a 12ª edição da Flip (Festa Literária de Paraty) de 2014 precisasse de uma frase para defini-la, poderia ser: “menos ficção e mais realidade”. Temas do dia a dia ganharam mais atenção do que discussões sobre literatura. Segundo o jornal, isso não significa nenhum demérito para o evento, no qual centenas de pessoas se reuniram, atentas, para ouvir o que autores tinham a dizer sobre depressão, alimentação, vícios em drogas e álcool, espionagem e ataques à privacidade – temas que, não por coincidência, foram apresentados por jornalistas. “Desde a escolha do homenageado (o multiartista Millôr Fernandes se definia, antes de tudo, como um jornalista), a Flip 2014 fez do embate com a realidade o centro de suas mesas. Uma realidade muitas vezes mais louca que qualquer ficção surrealista.”
    Cita ainda o jornal: “Tivemos alguém que sobreviveu a uma vida junkie e virou um jornalista bem-sucedido (David Carr, o colunista do ‘The New York Times’) e o homem que revelou que nossos e-mails estavam sendo espionados (Glenn Greenwald). Outro autor superou a depressão e problemas familiares para pesquisar os problemas dos outros (Andrew Solomon), um quarto expositor foi ameaçado de morte por lutar contra o extermínio de sua etnia (o índio ianomâmi Davi Kopenawa). A Casa Folha teve o psicanalista Contardo Calligaris ensinando como cuidar dos filhos e o jornalista Xico Sá (ambos colunistas da Folha) dando dicas sobre como compreender as mulheres.

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  4. “HÁ OCASIÕES em que a história e a literatura são úteis para algo mais que nos informar, ilustrar e provocar prazer estético. Às vezes servem também para nos ensinar lições. Depende de nós mesmos se somos capazes de tirar alguma utilidade dessa aprendizagem possível.”

    * Leonardo Padura, 1955, escritor e jornalista cubano, ‘A liberdade e a luz do nosso tempo’, Folha de S.Paulo, 17/12/2016

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  5. “HÁ OCASIÕES em que a história e a literatura são úteis para algo mais que nos informar, ilustrar e provocar prazer estético. Às vezes servem também para nos ensinar lições. Depende de nós mesmos se somos capazes de tirar alguma utilidade dessa aprendizagem possível.”

    * Leonardo Padura, 1955, escritor e jornalista cubano, ‘A liberdade e a luz do nosso tempo’, Folha de S.Paulo, 17/12/2016

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