sábado, 6 de setembro de 2008

Quem é essa pessoa que limpa diariamente a sua sala de trabalho?

Quem é essa pessoa? Geralmente, ela entra na sala de trabalho com a vassoura, balde e pano nas mãos, de cabeça baixa, e começa a limpeza do ambiente, tirando o pó, varrendo, passando o pano no chão... Certamente essa pessoa está contribuindo diretamente para o nosso bem-estar, mas alguns costumam não notá-la, pois se trata de um “instrumento automático de limpeza”: não tem rosto nem sentimento, trata-se de uma máquina utilitária.

Essa pessoa entra na sala calada, com os olhos baixos, receosa de perturbar quem ali está. Ela não precisa, e nem deve, sinalizar que chegou, pois tem consciência que representa um simples instrumento de trabalho.



Esta é uma realidade que diz respeito à relação dos funcionários em geral com a equipe contratada para a limpeza das empresas. Os funcionários da limpeza não têm “visibilidade”, passam despercebidos, e todos nós convivemos naturalmente com esse fato. Isto não incomoda ninguém, incomoda apenas os próprios “instrumentos invisíveis” e os raros funcionários que, independentemente de suas posições hierárquicas, assistem tristemente à indiferença dos colegas.

Óleo na porta

Em termos de serviços de manutenção, hoje normalmente desenvolvidos através de empresas contratadas, há uma substituição constante de empregados, por conta, principalmente, de oportunidades que surgem para outras funções, como coordenação da limpeza ou vigilância, por exemplo, ou da desistência por oportunidades melhores em outras empresas.  Portanto, há, de quando em quando, um novo desses funcionários entrando em nossa sala de trabalho, com aquela timidez característica ou medo, talvez, da má receptividade.

Em um dia desta semana, uma nova funcionária da limpeza entrou em minha sala. Como de costume, interrompi o trabalho no computador e cumprimentei-a, atenciosamente, olhando em seus olhos, com um sorriso, refletindo naturalmente o meu prazer em recebê-la na sala.

A nova funcionária olhou-me, surpresa, como que espantada, não sabendo, provável e inicialmente, como reagir àquela incomum receptividade. Bom dia, respondeu, iniciando o seu trabalho em minha sala. Só que a atenção que recebeu naquele momento surtiu um efeito saudável inesperado: afinal a sua presença fora notada; ela se tornou visível como ser humano e valorizada em sua força de trabalho. Naquele instante, a funcionária sentiu-se, quem sabe, como peça fundamental no conjunto da força de trabalho da empresa.

Passado algum tempo da operação de limpeza, aquela mulher, desejando retribuir-me a cordialidade, disse que a porta de entrada da minha sala estava rangendo bastante e perguntou se eu havia notado. Complementou, sugerindo que as dobradiças da porta necessitavam de óleo. Agradeci-lhe pela atenção e continuei envolvido com o meu trabalho no computador.

Após a finalização da limpeza, não observei a saída da funcionária da sala, pois me encontrava fora daquele local. Tendo retornado instantes depois, eis que me surpreendo com outra funcionária, com cara de felicidade, mostrando-me a porta, agora sem ranger, com o óleo que havia colocado. Falar o quê sobre a sensação que experimentei naquele momento, por conta da conseqüência de um processo natural de percepção e reconhecimento do outro?

Seres humanos invisíveis e substituíveis

Sinto que, no fundo, as pessoas não valorizam o trabalho braçal, por sua condição de tarefa facilmente executável por outro “instrumento”; trata-se, nesse contexto, de algo que se realiza automaticamente, tanto faz com um ou outro elemento.

O especial colega Tiago, exemplar trabalhador da limpeza, disse-me recentemente que, no máximo, cinco pessoas lhe dão atenção humana no trabalho, mas ele reconhece a sua natureza de “ser invisível”.  É quando observo o mal que os meus colegas, sem consciência, produzem nessas pessoas, é quando sinto a oportunidade que eles perdem de tornar pessoas “invisíveis” e o mundo, mais felizes.

Com um novo olhar para esses seres invisíveis, quem sabe amanhã seja você a se surpreender com alguém cuidando espontaneamente do ranger de suas portas, tornando a sua vida mais digna, produtiva e gratificante! Eis um exemplo de real possibilidade de atuarmos como elemento de transformação para um mundo melhor.

“Você é capaz de ser a mudança que quer ver no mundo?”, pergunta Mahatma Gandhi (citado na obra “A Paz é o Caminho”, de Deepak Chopra). Para ele, a idéia de que o mundo mudará se um número suficiente de pessoas elevarem a sua consciência é absolutamente verdadeira: “Se desejarmos um mundo novo, teremos uma enorme vantagem se soubermos o que quer dizer criar uma mudança de consciência”.

“O mais extraordinário milagre é o da vontade humana para recomeçar ali onde qualquer esperança parecia morrer”, escreve Jurandir Freire Costa, psicanalista e professor de medicina social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no artigo “A escolha do povão”, em que analisa o filme nacional “Linha de Passe”, publicado na Folha de S.Paulo (“Mais!”, 31/8/2008). A matéria-prima do filme é o cotidiano dos que carregam este país nas costas; seu universo é o das empregadas domésticas que vivem nos fundos de cozinhas; dos frentistas dos postos de gasolina; dos motobóis..., comenta Jurandir Costa.

Mark W. Baker, na obra “Jesus, o maior psicólogo que já existiu” (leitura obrigatória para quem busca o essencial da Vida), escreve: “Não somos unidades auto-suficientes e sim seres interligados. A necessidade de ignorar quem não compreendemos decorre de um amor-próprio excessivo que prejudica a nossa própria saúde espiritual e psicológica”.

Para Baker, ao nos considerarmos superiores aos outros e achar que não precisamos do que eles têm a nos oferecer, estamos causando um dano a nós mesmos. A arrogância, que nos leva a acreditar que somos superiores aos outros, tem origem no medo de sermos infelizes, diz o autor.

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