terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Natal, sob a visão da “Hare Krishna”

Ilustração : www.harekrishna.com
Por Gopala, http://harekrishna.org.br, 21 de janeiro de 2009
 
Buscando na web algumas referências sobre o Natal, encontrei esta reflexão da “Hare Krishna” (Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna). Por considerá-la  interessante, resolvi inseri-la na íntegra. Como já manifestei algumas vezes, não tenho preferência por uma religião, costumo absorver sempre o que cada uma tem de essencial naquilo que comunga com a minha filosofia e propósitos de vida.
 
Saibamos ser sempre receptivos a qualquer ensinamento que possa nos elevar espiritualmente. O que importa é a colheita seletiva do que enriquece, que muda conscientemente a mente e a atitude de cada um de nós, transformando-nos em pessoas a cada dia melhores.
 
Leiam então o texto de Gopala:

”Abordamos um artigo de nossa autoria postado originalmente no Fórum Krishna-Katha, como resposta ao tema das Festas de Final de Ano trazido por Prabhu Adi-Karuna.

Há poucos eventos que causam sentimentos tão contraditórios quanto as festas de final de ano. Enquanto alguns adoram e não
veem a hora de comemorar o Natal e o Ano Novo, outros detestam essas ocasiões a ponto de ficarem deprimidos e frustrados.

O ponto é que, quer gostemos, quer não, aparentemente sempre houve (e provavelmente sempre haverá) uma festividade nessa época do ano, e seria favorável à nossa consciência de Krishna que soubéssemos entender esse fato adequadamente.

Vou abordar o assunto sob três pontos de vista diferentes: estações do ano, psicologia e sociabilidade humanas e a natureza. Peço suas bençãos para que esta apresentação seja adequada e os satisfaça, uma vez que não houve oportunidade para uma pesquisa mais apurada, e muita coisa vai "de memória" mesmo. Hare Krishna!

A) Estações do Ano:

Prabhu Adi-Karuna comentou:
"A árvore vem do carvalho sagrado de Odin e dos pinheiros que os celtas iluminavam ao abandonar o corpo no inverno...; a data, do deus persa Mitra e oficializada na metade do século 4o...; a estrela, do solstício de inverno ...; os doces, presentes, "papai Noel" (advindo de cultos xamânicos siberianos ...), juntamente com as guirlandas da Estônia, Lituânia e Letônia; já as renas eram para os siberianos o que o búfalo representa para os nativos americanos e a vaca para os indianos."

Bem, embora muito disso já seja do conhecimento da maioria dos devotos e das pessoas em geral, o ponto focal aqui é que houve, ao longo da história, diversos tipos de festas e comemorações, pouco antes, pouco depois ou na data do solstício de inverno. (Aqui cabe um parênteses: estamos no hemisfério sul e, para nós, nessa época, ocorre o solstício de verão. Mas o fato é que grande parte das terras e população mundial está no Hemisfério Norte, sujeita às variações climáticas de lá).

Diversos historiadores atribuem essas festividades no Hemisfério Norte às condições econômicas favoráveis trazidas pelo fim do outono, época das últimas colheitas antes dos rigores do inverno. Com os paióis e armazéns lotados, fazer uma grande festa se tornava mais fácil.

Num ambiente predominantemente rural, as pessoas não gostam muito de sair no frio, na chuva ou na neve. Mas o clima, no final do outono e início de inverno, ainda está ameno o suficiente para facilitar os deslocamentos das pessoas, tornando a possibilidade de festejar os resultados do karma (ação fruitiva) muito mais tentadora, como veremos no próximo item.

B) Psicologia e Sociabilidade Humanas

Vimos no item anterior que as facilidades para festejar eram muito grandes: paióis lotados e clima ameno. Isso por si só já era um convite irresistível à festividade. Mas podemos também contar com um fator psicológico a mais:

i) A estação do inverno traria austeridades maiores, tais como a gradual escassez dos alimentos e a perda do seu sabor natural, devido ao envelhecimento e deterioração (mesmo considerando-se os grãos e passas). Isso causava um peso psicológico maior no sentido de "desfrutar logo" dos resultados das colheitas, enquanto estavam frescas e mais saborosas. Quem já fez (ou mesmo tentou fazer) jejum conhece o peso e força da "fome pscológica", aquela que surge antes mesmo de a fome física se manifestar.

ii) Como comentado anteriormente, o frio dificultava os deslocamentos. Ser apanhado no meio do caminho por uma nevasca poderia representar risco de morte para quem estivesse indo ver parentes e amigos em vilas ou cidades vizinhas. E o "simples" "acampar na estrada" se tornava muito mais difícil e austero. Nesse contexto, o desejo de encontrar com pessoas queridas, que provavelmente não seriam vistas por vários meses, era uma inclinação natural da população.

Para regular toda essa pressão psicológica em relação ao "gozo dos sentidos" em festejos populares, principalmente no solstício de inverno, encontramos nas mais diversas sociedades, em todas as eras, diversas regras e regulações relacionadas a como festejar, porque festejar, como se comportar nessas ocasiões (etiqueta), a quem prestar as homenagens pelos bons resultados obtidos para aquele ciclo anual etc. É o que chamamos na cultura védica de dharma (no caso, dharma específico para essa circunstância festiva anual).

Podemos ver esse tema abordado de forma genérica e conceitual no Bhagavad-gita, quando Krishna fala dos semideuses, do dever de devolver para eles parte do que é obtido pelo esforço humano, através de sacrifícios (sacro ofício - atividades sagradas), e como, afinal de contas, todos os resultados são outorgados por Ele, Krishna. E como os devotos, sabendo de tudo isso, prestam suas homenagens a Ele, o Senhor Supremo de todos os planetas e semideuses. Aí entramos na outra parte da religião, a chamada yoga, que abordaremos mais profundamente no próximo item.

C) Natureza

Vimos nos itens anteriores que sempre houve motivos físicos e psicológicos para fazer comemorações no solstício de inverno. Porém, poder-se-ia argumentar que muitos desses motivos já não existem mais ou, pelo menos, já não exercem tanta influência nas pessoas. Afinal, agora buscamos comida nos supermercados: numa economia globalizada, não dependemos mais, tanto, das condições climáticas. E também nossos meios de transporte atuais, muito mais eficientes, rápidos e confortáveis, nos permitem viajar praticamente em qualquer clima. Sendo assim, manter costumes como estes, de festejar no solstício de inverno, seria apenas um tipo de inércia cultural que tenderia a desaparecer com o tempo, desde que não fosse artificialmente alimentada por interesses econômicos escusos.

Porém, o que a história nos mostra é justamente o contrário: cada cultura trouxe suas inovações e facilidades, diminuindo a importância das condições climáticas e, mesmo assim,  essas comemorações não desapareceram. Houve inclusive tentativas explícitas de acabar com as comemorações ou transferi-las para outras ocasiões, porém sem resultados duradouros, como vemos adiante, e é confirmado por outros historiadores:

Também citando o Prabhu Adi-Karuna:
...aceitamos em nossas mentes que realmente entramos em um ano novo, mas isso não tem mais de 500 anos de oficialização... (em 1582) para abafar as comemorações das culturas pagãs...

Então, o que efetivamente acontece nessa data, ao longo dos milênios, nas mais diversas circunstâncias, que leva as pessoas a comemorar e festejar? Uma resposta mais efetiva pode estar na natureza, tema tratado por Krishna no Capítulo 14 do Bhagavad-gita. Porém, para entender como a natureza pode afetar toda uma população mundial nessa época do ano, precisamos nos aprofundar um pouco mais no tema.

[...]
 
Antes que pensem que precisaríamos ser místicos astrólogos védicos para entender o que se passa, já esclarecemos: do mesmo modo que não é preciso ser mecânico de automóveis para dirigir um carro (basta saber dirigir), também não precisamos conhecer o Surya Siddhanta. Basta entender, com a ajuda, por exemplo, do Calendário Vaishnava, que:

1- Estamos mais sentimentais quando entra dezembro porque estamos em Vrscika Sankranti (equivalente a Escorpião - fortemente emocional) nessa época (sim, há uma diferença entre as formas védica e ocidental de marcar essas influências - o que explica o porquê da ocidental nunca estar certa);

2- Quando chegam as festas de Natal e Ano Novo, estamos mais idealistas (desejamos que tudo saia perfeito) porque antes já entramos em Dhanus Sankranti (equivalente a Sagitário - o idealista e sacerdote nato);

3- Fazemos nosso "planejamento anual" em janeiro por entrarmos em Makara Sankranti (equivalente a Capricórnio - o metódico workaholic que não consegue ficar parado - nem mesmo nas férias);

4- Em seguida esquecemos todo esse planejamento e caimos na "gandaia" (especialmente aqui, no Brasil) em fevereiro, por entramos em Kumbha Sankranti (equivalente a Aquário - o sociável);

5- Começamos efetivamente nosso ano em março, não somente porque passou o carnaval (no hemisfério sul, mais especificamente no Brasil) ou acabou o inverno (no hemisfério norte se inicia a primavera), mas principalmente porque entramos em Mina Sankranti (equivalente a Peixes - a mais transcendente das influências) e, portanto, estamos mais inclinados a aceitar o fim de algo e o início de outro algo (transcender também tem a ver com transitar, passar de um para outro ponto).

Análises equivalentes podem ser feitas para cada um dos outros meses, mas com essa pequena demonstração já dá para entender melhor porque as festas de Natal e Ano Novo, como se apresentam atualmente, nos causam tanto desconforto, frustração e rejeição:

i) Natal agora tem a ver com ganhar presentes, mas nessa época do ano estamos mais inclinados a ideais do que a coisas. Daí sentirmos que nenhum presente que ganhamos nos traz a felicidade plena.

ii) Ano Novo tem a ver com o fim de um ciclo temporal e o início de outro (mais adequado para a época de Mina Sankranti). Como podemos pensar no fim do ciclo quando deveríamos estar vivendo o seu auge, o ponto mais alto do ano, próprio do idealismo de Dhanus Sankranti? Daí a tentativa de fazer dessas festas de Natal e Ano Novo uma demostração do que alcançamos ao longo do ano em termos de membros familiares e bens materiais. Porém, a ideia de "fim", de "finalização", acaba "assombrando" a festividade.

Por outro lado, a comemoração do Natal como o aparecimento do Fundador-Acharya do Cristianismo parece combinar bem com o idealismo próprio da época e aparenta ter sido uma boa utilização de tempo, lugar e circunstâncias para o serviço devocional a Deus (Bhakti-Yoga) na cultura cristã, substituindo outras manisfestações festivas de bhakti (prestação de serviço com amor e devoção) a outros seres e representações parciais do Senhor (semideuses e sakti-avesha avatares) que existiram, nessa mesma época do ano, em outras culturas, anteriores ao Cristianismo.

Nossas tentativas de krishnaizar esses eventos, tais como festas de Natal e Ano Novo conscientes de Krishna, a Maratona de Prabhupada, ou retiros espirituais aproveitando os feriados prolongados dessas ocasiões, também deveriam levar sempre em conta as influências dos modos materiais próprias da época, "tirando um bom proveito de um mau negócio" e "fluindo naturalmente" dentro do contexto psico-social-astral idealista, local e universal.

D) Conclusão

O Senhor Krishna explica no Bhagavad-gita que as almas condicionadas pensam ser as executoras das ações que, na verdade, são levadas a cabo pela Natureza Material. Saber o quanto estamos fortemente condicionados e amarrados às influências dos três modos da Natureza Material pode, a princípio, assustar um pouco. Mas entender que existem processos nos âmbitos de dharma e yoga para transcender esses modos e agir na plataforma pura da consciência de Krishna pode nos consolar e nos dar a certeza de que um dia (e por que não hoje?) poderemos aceitar tudo o que for favorável ao serviço ao Senhor e rejeitar tudo o que for desfavorável, sempre nos lembrando de Krishna e nunca nos esquecendo dEle.

Embora haja uma forte tendência, desde os tempos mais remotos, de se fazerem comemorações na época do solstício de inverno, essa tendência não é necessariamente prejudicial ao serviço devocional. Pode-se aproveitar as facilidades da época para incrementar esse serviço ao Senhor, tirando partido das circunstâncias climáticas e psico-sociais do momento.

Meditemos nisso.”

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