segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão, expôs, em 1944, pensamentos preliminares sobre o advento de uma época 'sem religião'

Wolfgang Aurbach, 16 de dezembro 2008
Trata-se do comentário feito pelo amigo Wolfgang ao artigo deste blog "Natal e Ano Novo: o que dizer?". Resolvi incorporar esse comentário como artigo pela originalidade do texto. Wolfgang leva-nos a essa idéia de o homem necessitar de um novo sentido de religiosidade compatível com a época que atravessamos. Imaginei que, como comentário, poderia passar despercebido de muitos leitores.



É gratificante quando o que se propõe motiva uma resposta capaz de ampliar significativamente a dimensão da mensagem original.
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"A reflexão natalina que acabo de ler é linda e veio em boa hora. Ela está repleta de impulsos positivos e encorajadores.

Eu já estava deprimido de ver como nós perdemos, na maioria das vezes, a noção do significado da Festa do Natal. Esta data é hoje, para uns, um tema da arte de Marketing, e para outros uma mera pausa nas atividades cotidianas em que se come e bebe bem, se trocam presentes e se pratica certo sentimentalismo.

Em 1950, em "Psicanálise e Religião", o sociólogo e psicanalista Erich Fromm observou: "Nunca antes o homem chegou tão perto da realização de suas mais ansiosas esperanças quanto hoje. Nossas descobertas científicas e nossos avanços tecnológicos nos permitem antever o dia em que a mesa estará posta para todos que desejam comer … O homem criou um novo mundo, com suas próprias leis e destinos … Mas, olhando para si próprio, o que o homem pode dizer? Chegou ele mais perto da realização de um outro sonho da humanidade, o sonho do aperfeiçoamento do homem? Do homem que ama a seu próximo, que pratica justiça, que fala a verdade e realiza o que potencialmente ele é, uma imagem de Deus?"

Em 1944, o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, em algumas das últimas cartas que dirigiu da prisão a seu amigo e colega Eberhard Bethge, expôs pensamentos preliminares sobre o advento de uma época 'sem religião'. Estas comunicações eram fragmentárias e não chegaram a ser consolidadas, já que foram interrompidas pela morte violenta do autor. De qualquer maneira, Bonhoeffer falou repetidas vezes do homem que havia se 'emancipado', que não mais podia ser religioso no sentido tradicional da palavra. Disse que havia passado o tempo em que o significado do cristianismo e da pessoa de Jesus Cristo podia ser transmitido aos homens por meio de palavras pias. Ele perguntou a si se era concebível um 'Cristianismo sem Religião': "De que forma pode Cristo ser o senhor mesmo dos sem religião?".

Lendo estas cartas – publicadas por Bethge, em 'Resistência e Submissão' – mesmo um leigo como eu sente claramente o drama íntimo de Bonhoeffer. Ele, um homem cuja vida toda foi pautada pela mais profunda religiosidade, sentiu de repente que esta religiosidade já não era mais viável, já não mais podia ser conciliada com o mundo real.

Fromm, que expôs em termos claros o conflito entre a missão pastoral das igrejas e sua condição de estruturas de poder, entendeu claramente que Bonhoeffer começava a pensar um 'Cristianismo sem um Deus-Pai no sentido convencional' e aclamou sua iniciativa corajosamente renovadora. Já a elite dos teólogos da Alemanha, tanto luteranos como católicos, se pôs a escrever vultosos comentários sobre esta parte do legado de Bonhoeffer, sempre de uma forma que buscava harmonizá-la com a interpretação tradicional da fé, sem jamais explorar sua visão inovadora.

É ainda defronte a esta mesma situação que nós nos encontramos hoje, 65 anos mais tarde. No entanto, fazendo um retrospecto, podemos observar que as religiões sempre mudaram com as culturas.

Há talvez 1000 anos a.C., a religião de Javé, associada ao nome de Moisés – o monoteísmo ético – revolucionou o mundo politeísta. Mais tarde, os ensinamentos de Jesus Cristo – com sua mensagem central do amor – eram uma nova revolução. Até hoje, só uma pequena minoria de pessoas se dá conta de que estas duas mensagens eram vitais, junto com a filosofia grega, para que o homem do Ocidente se tornasse cônscio de si. A mensagem de Cristo, em particular, é o apelo para que o homem se torne afetivamente maduro, adulto, superando o narcisismo infantil. Mais tarde, outros 1500 anos d.C., houve uma terceira revolução, quando Martinho Lutero proclamou o homem autônomo para falar diretamente com seu Deus, sem o intermédio de um sacerdote. Finalmente – por enquanto – no começo do século XX, deu-se a quarta revolução desta série, quando Sigmund Freud nos esclareceu sobre o fenômeno do Inconsciente e os três Estados da Consciência. Estes últimos, aliás, já haviam sido identificados por Platão, em 'A República', no século IV a.C.

Se considerarmos que apenas nos 60 anos decorridos desde a metade do século XX aconteceram inovações tecnológicas que fizeram com que o mundo e as condições de vida do homem mudassem mais do que nos 3.500 anos precedentes documentados pela escrita humana, penso que fica evidente a necessidade de uma evolução da nossa religiosidade.

Fico impressionado com a visão que tinha Bonhoeffer. Acho que ele está nos mostrando o caminho a seguir, apontando a direção certa. Apenas discordo do termo 'emancipado' que ele usou. Julgo que 'revoltoso' ou 'inconformado' definiriam melhor a nossa condição. Para nós nos emanciparmos falta uma melhor qualificação. Enquanto não atingirmos esta qualificação, apenas trocamos um jugo por outro, muitas vezes pior.

A mudança principal, a meu ver, precisa acontecer na nossa educação, no nosso processo formativo. Individualmente e coletivamente precisamos de um melhor preparo. Precisamos saber mais, ser mais cônscios de nós próprios, para poder assumir maior responsabilidade e autodirecionamento, ao invés de ser dirigidos externamente, como ovelhas por pastores, ou internamente, por um superego excessivamente programado.

Precisamos aprender a assimilar, não apenas decorar, a sabedoria adquirida pelas gerações que nos antecederam. Precisamos, nós Ocidentais, aprender a ler, por exemplo, a Bíblia que contém imensas sabedorias, mas cuja linguagem simbólica não deve ser confundida com a linguagem simples de um livro contemporâneo. Se um maior número de nós soubesse apreciar a importância da mensagem de Jesus de Nazaré, a festa do Natal seria comemorada de forma diferente da que se observa hoje na maioria das vezes. Ao mesmo tempo, porém, precisamos ter uma noção das principais escolas filosóficas que se formaram ao redor do nosso planeta.

Tudo isso não só parece como é, de fato, uma tarefa gigantesca. Mas é uma tarefa que não está fora do alcance. Antes de tudo, a tarefa é modulável. Não se pode e não se deve pedir tudo a todos, e já, de imediato. Mas o que deve haver, progressivamente, são mudanças de enfoque, de perspectiva e de métodos, visando a um aumento geral de preparo.

É neste sentido que vejo um grande futuro à nossa frente e convido a todos que naveguem no presente blog para encarar este Natal e o Ano 2009 com alegria e confiança".
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