terça-feira, 14 de abril de 2015

AUTOAJUDA

RESOLVI inserir esta crônica no blog por considerá-la bastante apropriada ao conjunto dos meus textos. Tom Simões


AUTOAJUDA

Martha Medeiros (*), de sua obra “A graça da coisa”, editora L&PM

30 de novembro de 2011



“ESTAVA lendo o divertido e charmoso ‘É tudo tão simples’, de Danuza Leão, quando uma senhora chegou perto, com ar de desprezo, e disse: ‘Não te imaginava lendo autoajuda’. Pensei em responder que Kafka e Tchékhov também são autoajuda: dos eruditos aos passatempos, todo livro escrito com honestidade ajuda. Se bobear, até mesmo embustes tipo ‘Como arranjar marido’ ou ‘Como juntar o primeiro milhão antes dos 30 anos’ ajudam – quer ilusão, toma ilusão.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez afirmou, numa entrevista, que escreve para estimular o leitor a melhorar a qualidade de sua experiência de vida, intensificando-a. E Calligaris realmente consegue esse feito, por isso o leio. Assim como leio e sublinho inúmeras citações do filósofo romeno Cioran, que me ajuda a identificar a miséria humana sob uma ótica extremamente lúcida.


Muito antes de eu descobrir Calligaris e Cioran, tive que descobrir a mim mesma, e Marina Colasanti foi, nesse sentido, minha guia espiritual. Com suas crônicas, abriu minha cabeça para a sociedade que estava se firmando no início dos anos 80, quando as mulheres assumiram um novo papel. Eu não seria a mesma se não tivesse lido seus livros.

Ainda adolescente, Fausto Wolff me deu consciência política, Millôr Fernandes me ensinou a enxergar o reverso do espelho, Veríssimo me incentivou a rir de mim mesma, Paulo Leminski me fez ver que poesia não precisava ser um troço chato e Caio Fernando Abreu me apresentou um mundo sem preconceitos. Seria uma ingrata se dissesse que eles não fizeram nada além de me entreter.

Além desses autores geniais, passei também por livros maçantes que me serviram como ansiolíticos – me ajudaram a pegar no sono. Hermetismo nem sempre é sinônimo de inteligência, profundidade não é privilégio dos deprimidos e mesmo histórias bem-escritas podem naufragar se foram pretensiosas.

Michael Cunningham ajuda a manter minha humildade (nem que eu vivesse 200 anos conseguiria escrever algo minimamente parecido com ‘Ao anoitecer’), Cristóvão Tezza ajuda a controlar minha inveja (que autor, que técnica!) e Dostoiévski me ensina que a fúria é mais produtiva quando transformada em arte. Qualquer tipo de arte, aliás. Música de autoajuda? Existe. Cazuza, por exemplo, já estimulou minha indignação com o país, Ney Matogrosso me faz sentir sensual, Jorge Ben sempre me alegra e Chico Buarque diversas vezes me comoveu, e ficar comovido é de primeira necessidade.

Existe autoajuda para todos os gostos. Tendo ou não esse propósito, nenhum livro merece ser diminuído por ter sido útil.”

***


(*) Martha Medeiros, escritora, é colunista dos jornais ‘O Globo’ e ‘Zero Hora’ 

Um comentário:

  1. “NENHUM LIVRO de autoajuda é completamente inútil. Por mais que minha tendência seja desprezar esse tipo de publicação, acabo me sentindo melhor depois de uma horinha de leitura. E um pouco de humildade também não faz mal.”
    * Marcelo Coelho, ‘Lições de desapego’, Folha de S.Paulo, 10/6/2015

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