quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

AÇÃO VOLUNTÁRIA E DESEJO DE PODER

Somente a doação desinteressada por parte de cada indivíduo fará surgir um mundo completamente diferente



Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, Santos (SP), 11 de fevereiro de 2015 


A COOPERAÇÃO ocorre com naturalidade e facilidade quando amamos o que estamos fazendo; desse modo, a cooperação é um prazer. Mas, para amar, deve ocorrer o abandono da ambição, da ganância e da inveja. Não?”, indaga Jiddu Krishnamurti, em ‘Comentários sobre o Viver’ (breves textos, volume 3). O filósofo Krishnamurti desafia os limites do pensamento.

Quando você se dedica a uma ação voluntária, pergunta o filósofo, não seria pelo desejo de ser alguém, de realizar sua ambição, ou para fugir de um sentimento de frustração? “De fato, pode haver alguém com o desejo de ser conhecido como um reformador ou como quem deseja o sucesso. Todos se esforçam para galgar os degraus do sucesso e da fama; isso é normal e humano. Seria mesmo?”

Na visão do autor, você não colocará um fim na crueldade enquanto seus esforços para acabar com ela forem benéficos apenas para si mesmo. “Se não puder realizar sua ambição ou fugir de sua frustração e tristeza ajudando os animais, por exemplo, então, se voltará para outros meios de realização. Tudo isso indica que você não está minimamente interessado nos animais, a não ser como meio para o próprio ganho pessoal”, explica.


Para ele, isso é o que a grande maioria está fazendo. Desde o mais alto político ao líder de um vilarejo, do mais alto prelado ao padre local, do mais alto reformador ao exausto assistente social, cada qual usa o país, os pobres ou o nome de Deus como meio para realizar suas ideias, esperanças e utopias. O centro é o indivíduo, o desejo de poder e glória é dele, mas ele sempre alega agir em nome do povo, em nome do sagrado, em nome dos oprimidos. É por essa razão que há essa confusão tão pavorosa e dolorosa no mundo.

E não podemos deixar os outros fora dessa discussão, escreve Krishnamurti. Quando você se compara com os outros, é para justificar ou condenar o que faz, e assim não está pensando. Está se defendendo ao tomar uma posição e, desse modo, não chegaremos a nenhum lugar, prossegue o filósofo.

O seu diagnóstico é: “Esteja consciente de que você está interessado em si mesmo, e de que suas atividades são autocentradas. Não finja, não se engane. Tenha em mente que você é ambicioso e está buscando poder, prestígio, que deseja ser importante. Não se justifique para si mesmo nem para os outros. Seja simples e direto sobre quem você é. Desse modo, o amor pode surgir sem ser chamado, quando você não estiver procurando por ele. Só o amor pode purgar as buscas ardilosas dos recessos ocultos da mente. Trata-se da única saída da confusão e da dor da humanidade, e não as eficientes organizações que ela criou”.

Mas como pode um indivíduo, mesmo quando ama, afetar o curso dos acontecimentos sem organização e ação coletiva?’, pergunta o participante de uma das palestras do filósofo. Ao que ele observa sabiamente: “Acabar com a crueldade exigirá a cooperação de muitíssimas pessoas. Como alcançar essa meta? Se você realmente sente que o amor é a única fonte verdadeira da ação, falará com outros sobre ele, e, então, reunirá alguns que têm o mesmo sentimento. Os poucos podem tornar-se muitos, mas esse não é seu interesse. Seu interesse é o amor e sua ação total. E somente a ação total por parte de cada indivíduo fará surgir um mundo completamente diferente”.

Nessa passagem do livro, Krishnamurti explica que o amor não é mero prazer, algo da memória; é um estado de intensa vulnerabilidade e beleza, que é negado quando a mente ergue muralhas de atividades autocentradas. “Não há beleza sem austeridade. A austeridade não se encontra em qualquer símbolo ou ato exterior, como usar uma tanga ou um hábito de monge, fazer apenas uma refeição por dia ou viver como eremita. Essa simplicidade disciplinada, independentemente do quão rigorosa seja, não é austeridade; é apenas um espetáculo exterior sem realidade interna. Austeridade é a simplicidade da solidão interior, a simplicidade de uma mente purificada de todo conflito, que não está presa na chama do desejo, mesmo o desejo pelo mais elevado. Sem essa austeridade, não pode haver amor onde a beleza reside.”

Quando o sentimento brota fundo

Abordo então uma experiência pessoal. Despertada a consciência que propicia amadurecimento, o ser humano é capaz de iniciar sua caminhada para um estado de plenitude espiritual. Para aquele que vive na exterioridade do mundo, a mudança interior é requisito para a busca da plenitude. Quando não é preciso relatar a ninguém a significância de um propósito e ação benéficos para o mundo, de uma missão elevada, a experiência da conexão com algo superior brota naturalmente, no silêncio interior, numa espécie de vazio cheio de plenitude. Uma emoção única é algo que foge à interpretação racional. Não é a vontade que atrai a experiência transcendental, mas a prática de “atos invisíveis” destinados ao bem comum. Dentro do rigor da acepção de Krishnamurti, pode-se dizer que tais atos devem ser invisíveis também para o próprio ego, pois  somente a prática “invisível” da humildade e generosidade é que pode trazer essencialidade à vida de alguém, por fazer esse alguém experimentar o verdadeiro amor, isento da necessidade de eventuais retornos. E se o retorno pela ação amorosa for uma reação “injusta” do outro, como ela foi “invisível” ao ego, o amadurecimento espiritual necessário para isso também trará o entendimento e o perdão.

Quando encontro um ser humano deitado na calçada, dormindo embrulhado em precária coberta, essa situação me emociona e me leva a pedir proteção superior para essa pessoa. Diante de uma imagem brutal como essa, que me interessa o prestígio, o desejo de ser importante? Nada interessa senão acreditar que, independente de oferecer algo material ao pobre homem, naquele momento eu experiencio o amor em sua expressão verdadeira. É ver o homem desacreditado do mundo, largado naquele chão de rua, e imaginar-me na mesma situação. É ver o homem largado e imaginar como a vida me privilegia. Quando brota uma emoção como essa, sem ser chamada, como não acreditar na possibilidade de o homem ser feliz quando o seu propósito mais elevado for tão somente beneficiar o mundo?

No momento em que acontece a empatia e brota a emoção é possível sentir algo que transcende o pensamento. E quando numa noite, ao deitar, revivendo essa triste realidade com a mente concentrada no plano espiritual, foi possível experienciar algo indescritível, que me levou à dúvida entre ilusão e mensagem transcendental, restando, em questão de segundos, unicamente a sensação de uma extraordinária paz interior. Que prova melhor?

Krishnamurti mostra que a imaginação não tem lugar na meditação; ela deve ser completamente descartada, pois a mente que nela está presa só pode gerar ilusões. A mente deve estar clara, sem movimento, e, à luz dessa claridade, o atemporal se revela. Enquanto a mente deseja atingir, obter, alcançar, estará em conflito. Conflito é insensibilidade. Somente a mente sensível percebe o verdadeiro. A busca nasce do conflito, e, com a cessação deste, não há necessidade de buscar. E, assim, há paz.

Lauro Trevisan assim descreve o amor, em sua obra ‘Apresse o Passo que o Mundo está Mudando’: “Ser amor, antes de tudo não tem nada a ver com egoísmo e nem com egocentrismo, mas com a verdadeira realidade humana, a partir da qual se expressarão a fraternidade, a solidariedade, a sensibilidade, a caridade, a justiça e tudo o mais. Se não existir amor essencial na pessoa, não ocorrerá fraternidade, nem solidariedade, nem caridade, nem justiça, porque essas qualidades são decorrentes do amor. Amar-se a si mesmo significa amar ao Deus que habita o íntimo e amar ao próximo do qual se é parte”.

Como mostra Trevisan, o amor - para usar uma comparação simples - é como o sol. Este não somente é calor e luz, como, por sua própria natureza, expande o seu calor e sua luz. O sol jamais conseguirá segurar seu calor e luz só para si. Acha você que seria possível o sol não emitir luz e calor? Eis o que acontece com o amor. Quando uma pessoa é amor, não somente está vivendo sua plenitude como também está irradiando esse amor para Deus, para a humanidade e para todo o universo. Portanto, quando você tem amor, você está em comunhão com todo o universo. Este é o estado de plenitude.”

* * *


Revisão do texto: Roberto da Graça Lopes e Márcia Navarro Cipólli

2 comentários:

  1. Bravo! excelente revisão!
    e texto fantástico do Roberto e da Márcia!

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  2. Lindo texto ...sugiro que seja enviado aos representantes dos PODERES deste nosso ainda Estado Democrático de Direito, porque como indaga um dos participantes da palestra :
    "Mas como pode um indivíduo, mesmo quando ama, afetar o curso dos acontecimentos sem organização e ação coletiva?" .Mesmo após 2015 DC, gde maioria ainda crucifica e lava as mãos , em vez de somar a quem faz o bem pelo bem

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