sábado, 20 de agosto de 2011

PSICÓLOGO RENOMADO DECLARA: UMA RAIVA EXAGERADAMENTE INTENSA ATORMENTOU A MINHA VIDA ATÉ OS 66 ANOS

Até o seu primeiro encontro com o Dalai-Lama, que mudou o curso de sua vida de formas inesperadas...

Dalai Lama e Paul Ekman
Imagem: http://greatergood.berkeley.edu
“Uma raiva exageradamente intensa atormentava a minha vida até então: começou logo depois da última vez que meu pai me bateu, quando eu tinha 18 anos. Eu o avisei que, se ele me batesse de novo, eu bateria de volta. Ele considerou aquilo uma ameaça e chamou a polícia para me prender por ameaçar a vida dele. Eu tive de fugir de casa para sempre. Desde então, poucos dias se passariam sem que eu tivesse um impulso de raiva que me faria agir de uma forma de que me arrependeria depois. Eu me mantinha constantemente vigilante, tentando não me render a esses impulsos e com frequência fracassando. Eu não acho que tenha passado uma semana na minha vida, dos 18 até os 66 anos (em 2000) sem que eu tivesse um ou dois episódios lamentáveis de raiva. Não era exatamente um modo maravilhoso de levar a vida”, declara Paul Ekman, na obra “Consciência emocional - uma conversa entre Dalai-Lama e Paul Ekman”, que acabo de ler.

Essa obra caiu do céu em minhas mãos! Estranho como busco leituras complementares, como se fosse guiado por algo superior, algo inexplicável.

Uma leitura positiva, construtiva. Há livros em cuja leitura a gente avança aos poucos. Por ser tão agradável e produtivo, deseja-se prolongá-lo. Dá pena concluí-lo. Esta obra emocionou-me bastante, sobretudo o seu final, quando o psicólogo Ekman narra a mágoa com o pai. 

Paul Ekman é especialista mundialmente reconhecido por seu trabalho sobre as expressões faciais e as emoções. Considerado um dos 100 nomes da psicologia do século XXI, é professor emérito da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco. É autor de mais de 14 livros, além de inúmeros ensaios. Mora no norte da Califórnia com a esposa.

“Tive um relacionamento muito triste com meu pai. A maldição preferida do meu pai era: ‘Espero que seus filhos o façam tão infeliz quanto você me fez’. Como resultado, eu ao mesmo tempo queria ter filhos (para mostrar que eu não seria vítima da maldição dele) e temia (porque eu poderia me tornar um pai tão ruim quanto ele foi, e a maldição dele se realizaria). Quando me tornei pai, essas esperanças e medos passaram por mim”, escreve o psicólogo.

TRANSFORMAÇÃO PESSOAL

“Algumas vezes, por razões aparentemente inexplicáveis e sem procurar ou esperar, uma grande mudança ocorre na forma como se vivencia a vida. Para mim, quando uma mudança como essa ocorreu ao redor da virada do milênio, seu impacto foi espantoso e desconcertante, porque nenhuma das ferramentas que eu tinha passado a vida inteira aperfeiçoando como pesquisador em psicologia me equipou para entender o que tinha acontecido”, conta Paul Ekman.

Ele diz que a mudança em sua vida foi uma guinada radical na forma como vivenciava as emoções – a sua própria área de atuação profissional. “Ela ocorreu durante meu primeiro encontro com o Dalai-Lama em Dharamsala, Índia, em 2000. Foi um enigma. Como cientista, eu estava acostumado a procurar explicações, mas também me sentia à vontade quando as coisas ainda não podiam ser explicadas, uma das razões pelas quais eu nunca me senti atraído para nenhuma religião, muito menos para o budismo”, declara.

Ekman gostaria de falar sobre algo muito pessoal e difícil de entender do ponto de vista ocidental. “Mas, se você e eu começarmos a compreender isso, outros podem ser capazes de obter benefícios similares”, enuncia o autor.

O QUE PRODUZIU ESSA MUDANÇA EM MIM?...

O primeiro encontro do psicólogo com o Dalai-Lama transformou-o de um pessimista a um otimista. Alguns meses depois, ele estudava os vídeos do encontro e se ouvia dizendo, espontaneamente: “Bem, eu não estou sentindo meu pessimismo de sempre. É um outro ‘eu’ falando”.

A mudança mais radical em sua vida emocional ocorreu ao longo dos sete meses seguintes, ele não teve nenhum impulso de raiva..., nenhum. Então, Ekman perguntava: “Quando e como isso começou? O que produziu essa mudança em mim?”

Durante o primeiro encontro, Tenzin Gyatso, Sua Santidade o Dalai-Lama, segurou a mão de Ekman com uma de suas mãos. O psicólogo não chegou a dizer mais nenhuma palavra depois de apresentar Eve, sua filha, que levou como observadora, mas ele teve duas experiências incomuns. “Uma foi que eu tive uma sensação física muito intensa para a qual não tenho uma palavra em inglês... é algo parecido com ‘calor’, mas não havia calor. A sensação com certeza era boa e diferente de tudo o que eu já tinha sentido ou já senti depois. A outra experiência foi que olhar para aquela sala ampla era como olhar para o mundo pelo lado contrário de um binóculo. Apesar de as pessoas estarem relativamente próximas, talvez a pouco mais de um metro de distância, para que pudessem observar o que estava acontecendo, parecia que elas estavam a centenas de metros de distância”, revela Ekman.

Tenzin Gyatso recebeu o Prêmio Nobel da Paz e é líder espiritual e de governo do povo tibetano. É autor de “A arte da felicidade”, dentre vários livros. Vive exilado em Dharamsala. Ele diz que algumas vezes nós realmente vivenciamos esse tipo de visão, a visão distante.

“Foi como se nós três estivéssemos fechados em uma cápsula, unidos uns aos outros, e todas as outras pessoas estivem à distância”, observa o psicólogo.

Ele entrevistou oito pessoas que vivenciaram aquilo várias vezes. “Todas descreveram uma transformação em sua vida, uma mudança no direcionamento da vida e uma mudança na vida emocional: aquilo era comum. Todas também estavam em um ponto de transição na vida. Uma ou duas tinham acabado de se recuperar de uma doença quase fatal; outra tinha acabado de se divorciar; e outra estava prestes a mudar de emprego. Para mim também era um ponto de transição: eu tinha tomado a decisão de me aposentar da universidade, o que eu acabei adiando por quatro anos para poder organizar a pesquisa que o Dalai-Lama solicitou no encontro”, descreve Ekman.

Para o psicólogo, muitos norteamericanos levam a vida de forma que não conseguem ver nada do que está ao lado. “Como se eles estivessem em um esporte olímpico chamado ‘luge’, no qual há altas paredes dos dois lados. Avançamos muito rapidamente; se olharmos para a esquerda ou para a direita, podemos colidir. Simplesmente aceleramos adiante o mais rápido que podemos. Era assim que eu levava a minha vida, como vive a maioria dos cientistas que conheço. Eles nunca veem caminhos alternativos na vida, uma vez que dão início à corrida para a descoberta. Mas cada uma dessas oito pessoas estava em um ponto de transição, capaz de olhar para a esquerda e para a direita, vendo caminhos alternativos na vida”.

E, mais uma característica, lembra Ekman, todas elas tinham tido um grave ferimento emocional na vida que nunca havia sido curado. “Elas relataram que, depois de se encontrar com o Dalai-Lama, a ferida não desapareceu, mas melhorou enormemente”.

SENTIMENTO INCOMUM

Ekman continua cético em relação a poder explicar o que ocorreu, mas está convencido de que houve uma grande reorganização na sua vida emocional. “Eu me preocupo um pouco com a possibilidade de muitos cientistas ocidentais acharem que enlouqueci, especialmente quando eles lerem o que estou contando agora sobre como me senti”, declara.

Segundo ele, o que estava vivenciando era um sentimento muito intenso, muito incomum..., uma sensação muito boa, parecia que estava irradiando. As outras oito pessoas que entrevistou também usaram o termo “irradiar” ao descrever suas experiências.

Essa foi a sua descrição fenomenológica em primeira pessoa. Como cientista, não sabia como explicar o ocorrido, mas isso não significa que a experiência não seja suscetível de explicação científica; “eu só não sei por onde começar e suspeito que ainda não temos as ferramentas adequadas para analisar esse fenômeno objetivamente. Apesar de não termos as ferramentas para compreender, isso não significa que ele não exista”.

“Como cientista, não tenho como ignorar aquela experiência. Não é que eu não tivesse tentado outras abordagens antes para minimizar meus problemas com a raiva. Três vezes na minha vida fiz psicanálise, em parte para tentar lidar com esse terrível problema da raiva. Mas sem nenhuma mudança”, admite Ekman.

Para o psicólogo, a mudança que ocorreu dentro dele teve início com aquela sensação física, que ele não sabe dizer o que foi. “Acho que o que eu vivenciei foi – um termo não científico – ‘bondade’. Cada uma das outras oito pessoas que entrevistei disseram que sentiram bondade; elas a sentiram se irradiando e sentiram o mesmo tipo de calor que eu senti. Eu não tenho ideia do que seja ou como isso acontece, mas não é minha imaginação”.

Sua Santidade disse que, em seu próprio caso, ele vivencia profundos momentos de inspiração e comoção quando reflete sobre os mestres do passado, como o Buda ou Nagarjuna, e suas ações e ensinamentos compassivos. O Dalai-Lama algumas vezes se sente comovido até as lágrimas e profundamente inspirado. Em relação a seres humanos concretos, Sua Santidade não parece ter esse tipo de experiência transformadora, mas foi informado por várias outras pessoas que elas tiveram experiências desse gênero em suas interações com ele. 

SUPERAÇÃO

“Inicialmente, eu de fato tive alguns problemas com Tom, meu enteado, mas com o tempo fui capaz de superá-los. O meu relacionamento com  minha filha é o mais fácil da minha vida. Tenho conseguido ser o pai que nunca tive. E lá estava eu, em Dharamsala, sentado com ela, depois de tê-la apresentado ao Dalai-Lama, uma pessoa que eu sabia que ela admirava profundamente”, menciona o psicólogo.

Imagem: www.awn.com
Ekman diz também: “Para qualquer pai amoroso, aquele seria um momento de valor inestimável; para mim, representou a libertação final da maldição de meu pai. Aquela liberdade também me livrou da plataforma de ódio que eu desenvolvi para não permitir que ele me machucasse mais e para lutar, de forma mais geral, contra ele e outros obstáculos às minhas metas”.

Sua mulher disse: “Estou tão contente. Está sendo tão mais fácil conviver com você. Não se esqueça de agradecer a Sua Santidade, porque os últimos sete anos foram os mais felizes de nossa vida”.

Para finalizar este artigo, inspiro-me no próprio Dalai-Lama, que cita uma das principais orações que os budistas fazem diariamente: “Que qualquer pessoa que entre em contato comigo, não importa se ela ouça a meu respeito ou me veja ou pense sobre mim, vivencie um benefício e felicidade”. 

(flor-de-lótus: associada a Buda, representa a pureza emergindo imaculada de águas lodosas. É o símbolo da expansão do Sagrado)
Imagem: http://revistadeciframe.com
Ah! Se o leitor soubesse o que uma obra dessa natureza pode resultar em sua vida. Não deixe de ler “Consciência emocional” e literaturas do gênero. São textos filosóficos bem práticos, que nos levam para um estágio melhor do que o anterior. Porque é preciso mudar os hábitos, sair do convencional, que não modifica. É preciso tornar-se mais compassivo e mais sábio para o benefício e o bem-estar de todos. É preciso se inspirar em histórias como a do psicólogo Paul Ekman para se tornar uma nova pessoa: disposta a reconhecer os seus limites e abraçar um propósito elevado, renunciando gradativamente a tudo aquilo que é superficial e não contribui para o aprimoramento pessoal e espiritual.

Os livros que eu escolho para ler são como uma oração. Porque seus pensamentos, básicos e transformadores, trazem sempre algo para aperfeiçoar a minha condição humana.

Veja o que diz Lao-Tsé, importante filósofo da China antiga: “Para ganhar conhecimento, adicione algo todos os dias. Para ganhar sabedoria, elimine algo todos os dias”.
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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

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