sábado, 28 de março de 2009

“Sociedade unha-de-fome”

“Há muitos contra-argumentos que se apresentam de imediato: a economia está em crise. Caridade começa em casa. Trabalho com afinco pelo meu dinheiro. Caridade cria dependência. Algumas organizações de caridade desperdiçam dinheiro demais com suas despesas administrativas”... Quem diz isso é o filósofo australiano Peter Singer, professor de bioética no Centro Universitário de Valores Humanos da Universidade Princeton, nos EUA. Singer fez sua carreira a partir do ato de causar desconforto nos outros.

Ele rebate esses contra-argumentos de maneira convincente, e sua conclusão lógica é praticamente irrefutável. Ajudar os pobres do mundo trará “significado e propósito” às nossas vidas, ele sugere, por meio de ajustes financeiros que, em geral, “pouca diferença farão para o seu bem-estar”.


Em seu novo livro, “A vida que você pode salvar”, esse filósofo diz que os indivíduos deveriam fazer mais doações para tirar o mundo da pobreza. Singer revela que não somos as pessoas que pensamos ser, quase todos nós.


“Sociedade unha-de-fome” é o título do artigo de Dwight Garner, publicado na Folha de S.Paulo, caderno Mais!, de 22 de março. A íntegra desse texto saiu no “New York Times”, com tradução de Paulo Migliacci.  


Você é uma boa pessoa?


Seria possível responder que tudo depende de como se define a palavra “boa”. Em um mundo de demônios facilmente identificáveis, a maioria de nós sente que está basicamente do lado dos anjos, escreve Dwight. 


Trabalhamos com afinco, pagamos nossas contas, tentamos criar bem os nossos filhos, fazemos trabalhos voluntários aqui e acolá e, em caso de dúvida, sempre seguimos as normas do bem, diz o jornalista.

Para Dwight, Singer de forma nenhuma é o único pensador sério sobre a pobreza, mas com “A vida que você pode salvar” se tornou instantaneamente o mais lido e o mais enfático entre eles. O seu livro é em parte argumentação racional, em parte manifesto, em parte manual de instruções.


Nessa obra, segundo Dwight, Singer considera que, diante do fato de que 18 milhões de pessoas morrem desnecessariamente a cada ano nos países em desenvolvimento, “há uma mácula moral em um mundo rico como o nosso”. Não estamos fazendo o suficiente para ajudar nossos irmãos humanos.


Ir além do bem-estar pessoal


Peter Singer, thelifeyoucansave.com, em um dos seus sites solicita que as pessoas assumam o compromisso de doar dinheiro para combater a pobreza mundial segundo uma escala móvel que propõe (ele mesmo doa 25% de sua renda anual, escreve). Já obteve mais de 1.800 adesões.


Em seu livro, Singer propõe o seguinte argumento lógico, que o jornalista Dwight cita na íntegra:


Primeira premissa: sofrimento e morte causados por falta de comida, abrigo e cuidados médicos são males.


Segunda premissa: se estiver ao seu alcance impedir que algo de mau aconteça, sem que seja necessário sacrificar algo de importância semelhante, é errado não fazê-lo.


Terceira premissa: ao doar dinheiro a agências assistenciais, é possível prevenir sofrimento e morte por falta de comida, abrigo e cuidados médicos, sem sacrificar algo igualmente importante. 


Conclusão: se você não doa dinheiro a organizações assistenciais, está agindo errado.


Argumentos polêmicos

“Filantropia para as artes e atividades culturais, em um mundo como este, é moralmente dúbio”, declara o escritor. 


O Metropolitan Museum of Art, em Nova York, adquiriu um quadro de Duccio por US$ 45 milhões em 2004, quantia que, segundo Singer, pagaria por operações de catarata para 900 mil pessoas cegas ou quase cegas nos países em desenvolvimento.


Ele prossegue: “Se o museu estiver em chamas, alguém consideraria mais certo salvar o quadro do incêndio do que uma criança?”


Em seu artigo, o jornalista Dwight menciona que Singer considera que os seres humanos acreditam intuitivamente que devem ajudar os outros em seus momentos de necessidade, “no mínimo quando podemos vê-los e quando somos as únicas pessoas capazes de salvá-los. Mas precisamos ir além dessas intuições”. 

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Observo diariamente pessoas conhecidas que são incapazes de abrir mão de R$ 0,50 para oferecer a um necessitado. Como isto me maltrata! 


Alguns querem ganhar mais e mais. Se o salário for de R$ 4.000,00, os “unhas-de-fome” correm atrás das vantagens e vivem alvoroçados com a possibilidade de mais e mais dinheiro no bolso. Isso pode virar uma angústia na vida deles. 

Em seu livro, Peter Singer elogia pessoas que doam até 50% de sua renda anual. Quanto aos restantes de nós, ele propõe uma abordagem mais realista: uma doação de cerca de 5% da renda anual para as pessoas em situação financeira confortável e bastante mais para os muito ricos. 


É difícil conceber alguém que sai de um restaurante, onde gastou R$ 100,00, negar R$ 0,50 que seja a um pedinte que encontra na saída desse local. É como se a miséria do mundo não dissesse respeito a cada um de nós. 


“Tendemos a considerar que as pessoas merecem ser mais culpadas por seus atos do que por suas omissões”, diz o filósofo Peter Singer. E então, para finalizar, escreve o jornalista Dwight Garner: “Não é preciso concordar com tudo o que Singer afirma para sentir que não há o que discutir: no que tange a viver uma vida dita ‘de bondade’, as omissões morais hoje contam mais que nunca”.

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