quinta-feira, 1 de março de 2018

A IMPORTÂNCIA DA VIVÊNCIA DA RELIGIOSIDADE DESDE A INFÂNCIA


Ainda que o jovem (ou adulto) não tenha se decidido por uma vida religiosa independente, a lembrança das vivências de religiosidade na infância lhe dará suporte, força e segurança na vida



Tom Simões, jornalista, Santos (São Paulo, Brasil), fevereiro 2018




“EM NENHUMA outra idade as experiências são tão profundas e se gravam tão indissoluvelmente em toda a constituição corpórea, anímica e espiritual, como na idade pré-escolar. Se nessa idade a criança não vivenciar devoção, alegria, expectativa, participação, interesse mútuo, veneração a algo superior, faltar-lhe-á uma experiência de si mesma, uma autoafirmação essencial. Pois ela vem ao mundo querendo entregar-se com confiança plena e espera essa confirmação. Desse modo é possível que haja a consolidação da confiança primordial”, escreve a pediatra alemã Michaela Glöckler, em sua obra ‘Força Sanadora da Religião’ (Editora Antroposófica), que acabo de ler. Ela atua como médica na Escola Rudolf Steiner de Witten, sendo diretora da Seção Médica do Goetheanum, Escola Superior Livre de Ciência Espiritualista, localizada em Dornach, Suíça.

Eu vivi intensamente a Igreja Católica até a pré-adolescência. Vestia-me de anjo em procissões, varria a igreja, organizava a contribuição financeira dos fieis... Padre Antônio, reconhecendo minha dedicação, chegou até a me presentear com chocolate que trouxe da Espanha ao visitar sua família. Também estudei em escola de frades carmelitas. Então, eu posso falar sobre o que a experiência religiosa representou em minha vida. Hoje me considero um ‘livre pensador’, sem vínculos com religião formal. Mas, refletindo sobre isso, acredito que as vivências espirituais pelas quais já passei é que me deram sustentação para tanto!


“Muitos fiéis de igrejas cristãs honram as regras institucionais, participam dos ritos, mas há muito deixaram de ser cristãos. Só que não se encorajam a dizer isso a si e aos outros, comenta o padre Fábio de Melo, em sua conversa com o historiador Leandro Karnal, na obra ‘Crer ou não Crer’. Ele acredita que talvez seja esse o processo de muitas pessoas que, por um excesso de instituição e uma escassez de mística, acabam experimentando uma descrença não confessa, um ateísmo prático nunca assumido, uma vez que a religião não transforma sua vida.   

Talvez seja essa a razão de as famílias modernas não valorizarem a experiência religiosa e... “Tendo passado o período da imitação dedicada, que ocorre na infância, não é mais possível ocorrer uma impregnação tão profunda na constituição corpórea (alguns diriam impregnação no comportamento, a criação de hábitos – parênteses da autora). Muitas vezes torna-se difícil compensar essa deficiência mais tarde, e ‘aprender’ a ter confiança na existência e alegria de viver”, diz Glöckler. Para ela, desde que educação religiosa não signifique ensinar à criança quaisquer ‘preceitos morais’, mas se ela for baseada na vivência conjunta de qualidades religiosas, como calma, paz, devoção, veneração, confiança, as crianças levam para a vida uma segurança interior e a possibilidade de terem calma interior, o que pode servir de esteio em situações difíceis.

Para a autora, mesmo se o jovem ou adulto ainda não se decidiu por uma vida religiosa iniciada de forma independente, a lembrança das experiências da infância lhe darão suporte, força e segurança na vida.

A partir das poucas indicações apresentadas à criança, deve ficar claro que não importa ‘qual’ confissão fundamenta a educação religiosa. Pois, como conduz a pediatra, os valores e as ‘atmosferas’ religiosas encontram-se em todas as confissões religiosas, e estes é que são importantes na infância.

“Para qual das confissões alguém se inclina mais tarde deveria ser resultado de sérias considerações e análises íntimas em relação à questão de Deus. Independentemente da escolha feita, haverá uma grata lembrança das experiências infantis de devoção religiosa que os adultos propiciaram com meios singelos e, assim, permitiram à criança experimentar”, orienta Michaela Glöckler.

Jesus e as Crianças
“Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse: ‘Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele’. Em seguida, tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou.” Marcos 10:13-16

Em “Caminho para Deus 221: Como podemos rezar em família”, http://vidacrista.org.br/caminho-para-deus-221-como-podemos-rezar-em-familia/, lê-se: “Os esposos cristãos estão chamados a transmitir a fé aos membros de sua família.  A oração em família, na qual estão presentes as crianças, se enriquece imensamente em virtude da grande sensibilidade religiosa que têm os pequenos, especialmente nos primeiros anos da infância.  Ao ir descobrindo os secretos tesouros de espiritualidade escondidos nos corações das crianças, os pais também são convidados a ingressar nessa nova dinâmica de encontro com Jesus, a ‘fazer-se criança’ para entrar no Reino dos Céus.  Assumem o papel de guias espirituais de seus próprios filhos e são para eles seus primeiros catequistas.  Ensinam-lhes a rezar não só com as palavras, mas, sobretudo, com seu testemunho, pois as crianças ‘absorvem’ tudo o que veem em seu pequeno mundo familiar.  Se os filhos veem seus pais rezarem, então o hábito de oração surgirá neles com maior naturalidade”. Essa seria uma espécie de ‘igreja doméstica’, como alguns a denominam.

http://www.saraetobias.com.br/a-importancia-da-oracao-na-familia/
É importante que os pais sejam muito reverentes com essa primeira etapa da infância, pois o que se aprende nos primeiros anos fica marcado para toda a vida.  Porém, a vivência da religiosidade e da oração no lar têm de respeitar os ritmos próprios da infância.
Para Michaela Glöckler, “quem objetar que não deveríamos educar as crianças para uma determinada confissão religiosa, ou mesmo aspectos religiosos, pois a decisão para uma vida religiosa deve estar na liberdade de cada um, pode ser rapidamente curado dessas ponderações quando se conscientizar de quantas pessoas saíram da igreja nas últimas décadas e, também, quantas pessoas abandonam as convicções religiosas da casa paterna e trilham seu próprio caminho espiritual. Contudo, se as crianças não tiverem uma educação religiosa, posteriormente, na vida, elas terão muito mais dificuldades de partir em busca de valores espirituais, porque não conseguirão recorrer a experiências anteriores e, por isso, em realidade não saberão exatamente o que procurar”.


Realidade das drogas


Padre Fábio cita Hans Küng, um teólogo que foi silenciado pela Igreja. “Um homem bastante controverso. Mas ele alerta para um aspecto muito pertinente sobre o qual vale refletir. Ele também dizia isto: o fim das religiões está muito próximo porque as urgências deixam de ser religiosas, passam a ser humanas. O que é que vai nos unir? É justamente a ética, a necessidade que nós teremos de estabelecer a ética como um princípio que nos reunirá em torno das mesmas urgências.”

Mas, como sustenta Glöckler, sem uma base de religiosidade, os jovens não saberão o que procurar. “Que isso é assim mesmo, podemos observar hoje em dia no aumento cada vez mais intenso dos vícios e dependências das drogas, pois a doença relacionada aos vícios é a doença da falta de religiosidade. Quando se pergunta aos dependentes de drogas por que optaram por essa vida, isso fica nítido. Eles procuram exatamente as qualidades e valores que correspondem às experiências religiosas: calma e proteção, vivência de relações humanas nas quais haja confiança, vivências de luz e calor, vivências sensórias intensas e vigorosa experiência de si mesmos. Muitas vezes, eles dizem que foram as dúvidas insuportáveis quanto ao sentido da vida que os lançaram no vício, ou porque eles nutrem um imenso ódio da maldade e injustiça no mundo ou ainda por não terem experimentado amor e proteção junto às pessoas”.


https://www.youtube.com/watch?v=LXqtCsv3L1o

O conceito de família já não é mais o mesmo. Famílias estão sendo destruídas com a maior naturalidade... 


É interessante como os pais modernos se sentem tão preocupados com a formação integral dos filhos, com o esporte, por exemplo, a vivência com o meio ambiente, o aprendizado de línguas e o estímulo precoce (e extremamente danoso) aos meios eletrônicos, tudo certamente importante, mas ignorando a formação espiritual de suas crianças. Paula Cesarino Costa, em editorial no jornal Folha de São Paulo, escreveu ser esta “a era da instantaneidade obrigatória e da simplificação burra”. O esforço para ser mais envolve também espiritualidade e abertura mental.

Para o padre Fábio, “A vida interior deveria ser o resultado natural de toda religião. E ela é o resultado de uma busca pessoal, sobretudo. Jesus não se furtou a ficar com alguns poucos para momentos especiais. Ele salientou a necessidade de ficar sozinho, buscar um lugar que favorecesse o silêncio. E também teve os Seus momentos com as multidões. Particularmente acredito que a experiência com as multidões deveria ser apenas o incentivo para aquilo que se busca pessoalmente. Se não há uma busca pessoal por essa mística, é muito difícil que o coletivo consiga oferecê-la. A multidão pode até me emocionar. Eu estou ali no meio, vivo a catarse que o rito proporciona, mas isso o futebol faz também. E se você for pensar, os estádios de futebol realizam rituais públicos muito semelhantes aos propostos pela religião. Mas as catarses dos estádios diferem das catarses religiosas, pois delas nós não esperamos mudança de vida, comprometimento com as questões humanas, amor, respeito, solidariedade. É por isso que eu insisto na experiência particular. É na ‘solidão’ pessoal que as convicções se firmam. Se os ritos religiosos não favorecem essa experiência, perdem sua força”.

Para a pediatra Glöckler, somente no mundo das drogas, os jovens dependentes encontram isso. “Mesmo que a ‘carreira’ de drogado não represente uma verdadeira perspectiva de vida, prevalece a gratidão por nela sempre poder deixar de lado as dúvidas atrozes, os temores, e ser acolhido por outro mundo, de cores, luz, amizade e proteção. É verdade que se entra nesse mundo sem sua autoconsciência desperta (ou seja, completamente iludido - eu diria), mas ao menos se sai da estreiteza, da mediocridade e da solidão de uma vida aparentemente sem sentido.” Ainda que por momentos.

Glöckler menciona que, no início do século XX, Rudolf Steiner, 1861-1925 (filósofo, educador, artista e esoterista, fundador da Antroposofia e da Pedagogia Waldorf),  apontou em várias de suas conferências que novas enfermidades surgirão caso três gerações ainda vivam da mesma maneira materialista, e sem religiosidade, como naquela época... “Então estariam exauridas as reservas de força fundamentadas na hereditariedade, que ainda se transmitem por algumas gerações. Para que o corpo não se esfacele, mas possa transformar-se, o ser humano precisa assimilar adicionalmente forças espirituais.” Steiner descobriu que na conformação, no crescimento, na regeneração, como também na autocura do organismo humano, manifesta-se algo de espiritual; posteriormente, na vida, esse algo aparece como a força espiritual do pensar.

De acordo com a autora, hoje, a pesquisa psicossomática chegou amplamente ao conhecimento de que, por exemplo, uma pessoa com boa motivação para a vida, com ideais para o futuro e capacidade de dar um sentido a sua vida, tem um sistema imunológico melhor. No caso de uma doença, tem melhores condições de convalescença do que alguém a quem falta isso. Portanto, não podemos prescindir do alimento espiritual, da religiosidade em nossas vidas. Mas o ser humano precisa ser despertado para isso na mais tenra idade, já nos anos pré-escolares. Muitos podem até prescindir de religião, mas não podem prescindir de religiosidade, pois ela integra a equação da vida saudável.  

“São complexos e bonitos os estudos e as observações práticas que embasam as colocações feitas acima. Meditem e se convençam da importância de criar uma aura de espiritualidade no dia a dia familiar, um berço inconsútil para nossos filhos e netos”, arremata o amigo Roberto da Graça Lopes.


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Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli e Roberto da Graça Lopes

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