sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O QUE EU ESTOU BUSCANDO?


O que realmente quero da minha vida? Quais são as minhas prioridades? Não é triste ignorar essa questão? Minha sede de aprendizado revela o quanto ainda há por eu descobrir.


Tom Simões (*), jornalista, tomsimoes@hotmail.com, setembro 2019



 ALGUNS de nós em algum momento começam a perguntar qual o propósito da nossa própria existência. Para o que estou usando o meu tempo e a minha vida? Ou, de fato, como estou ocupando minha mente?

Daniel Kahneman, professor emérito de psicologia da Universidade de Princeton, laureado com o Prêmio Nobel, diz que as pessoas têm respostas prontas para muitas questões sobre si mesmas, sabem o seu nome, o seu endereço e a sua filiação partidária. Mas, geralmente, não sabem se são felizes. Portanto, devem construir uma resposta para essa indagação, sempre que ela for feita. Para Kahneman, o bem-estar subjetivo sofre menos influência de memórias distorcidas e outros artificialismos.   


Na visão de Martin Seligman, psicólogo estadunidense, professor da Universidade da Pensilvânia, o individualismo exacerbado ajuda a explicar o enorme crescimento dos índices de depressão nas sociedades ocidentais, em parte como resultado do ‘nada faz sentido’, que acontece quando ‘não há uma ligação com algo maior do que nós mesmos’. O budismo acrescentaria que, com certeza, isso também decorre de dedicarmos a maior parte do nosso tempo a atividades e metas exteriores que nunca têm fim, em vez de aprendermos a desfrutar o momento presente, a companhia daqueles que amamos, a serenidade dos ambientes naturais e, acima de tudo, o florescimento da paz interior que dá a cada segundo da vida uma qualidade nova e diferente.

Somos resistentes a toda forma de mudança interior que acarrete esforço. Treinar a mente demanda tempo e esforço. O psicanalista Carl Gustav Jung descreve o papel do ‘intermediário gnóstico’ como alguém que mergulha nas profundezas espirituais e emerge para trazer a visão daquela possibilidade interior para o resto de nós.

O que constitui a felicidade é uma questão a ser debatida, escreveu Aristóteles, filósofo grego, e o que o povo pensa sobre ela não é o mesmo que os filósofos.  

Saberemos se estamos verdadeiramente felizes quando estivermos sós, sem nada a nos agarrar, sem nenhum objeto de suporte que ative sensações agradáveis, diz um monge budista, simplesmente estando consigo, inspirando e expirando, desfrutando da presença natural de nosso ser além de qualquer artifício do ego. Essa é uma experiência da meditação.

Nós vivemos num mundo ilusório; e tudo o que é ilusório é passageiro. Quem não busca a verdadeira natureza das coisas, a essência do viver? A vida está acontecendo. O que a gente está perdendo? A gente está aqui para conseguir algo; isso é uma barreira. O sentido da vida está no futuro. Iluminação não é busca; é uma realização. Trata-se da própria natureza da vida. Trata-se de algo que antes deve ser sentido do que compreendido intelectualmente. A descrição é para os poucos que podem compreender; os outros não se sentirão atraídos por ela. É ter a sensação de paz na alma; um estado de radiância, uma alegria serena que nasce de um estado profundo de bem-estar e benevolência, um estado de ser permanente de lucidez e liberdade interior.

‘A liberdade interior é um espaço vasto, claro e sereno, que dissolve todo tormento e nutre toda paz’, lembra o monge budista francês Matthieu Ricard, em sua obra ‘Felicidade – A Prática do Bem-estar’; presente do meu filho no ‘Dia dos Pais’ (Matthieu é considerado o homem mais feliz do Mundo; mas ele se sente desconfortável com o título; nascido em 1946, vive na região dos Himalaias há 40 anos). A liberdade interior é quando a gente vai se reconciliando com a própria história. Eu acredito nas minhas intuições. É quando eu resgato o mais sábio Mestre que vive em mim e se realiza em mim, o Santo Cristo Pessoal, e eu me saro ao assumir a minha divindade e me preencho de amor incondicional. É quando eu me realizo, ao perceber o que é plenitude e solitude: um estado de graça, um momento mágico, em várias circunstâncias. Se a felicidade é um modo de ser, como lembra Matthieu, um estado de consciência e de liberdade interior, não há nada que possa me impedir de atingir um estado de bem-aventurança contínua.  

A propósito, ‘felicidade verdadeira’ tem a ver com ‘solitude’ e não com ‘prazer’ em acumular satisfações circunstanciais. Solitude não é ‘solidão’. Significa sentir-se preenchido do que é essencial à natureza humana. É um estado mental saudável que nos possibilita recursos para lidar com os altos e baixos da vida. Ao experimentar a genuína felicidade, há o desejo de compartilhá-la com os outros.

Aristóteles traz a ideia que a felicidade é o fim a que visa a natureza humana. Para ele, a felicidade é uma atividade, pois não está acessível àqueles que passam sua vida adormecidos. Ela não é uma disposição. À felicidade nada falta, ela é completamente autossuficiente. É uma atividade que não visa a mais nada a não ser a si mesma. O homem feliz, basta a si mesmo.

“Ando obcecado por silêncio. Um silêncio que me permita ouvir o ruído do vento. E o bater do coração. E, se possível, isso que chamamos de Deus, existindo devagarinho em cada coisa. Existe sim”, observa o escritor Caio Fernando Abreu. Eu também aprecio a quietude para ouvir a voz da minha divindade interior. Ao buscar o silêncio, não rejeitamos nada, mas simplificamos tudo. Nesse estado de calma e introspecção, é possível sentir a revelação de algo transcendente. A ‘epifania’ tem a ver com isso: um pensamento iluminado, uma inspiração ou uma percepção intuitiva, algo que me surpreende. Durante a epifania, ocorre uma mudança na nossa percepção sobre a realidade, como nos relacionamos com o Mundo e o nosso nível de satisfação.  

Nosso sentimento de comunhão com os outros reflete a interdependência essencial de todos os seres. Todos os fenômenos, bem como o ‘eu’ e o outro, estão profundamente interconectados no nível da sua natureza mais fundamental e profunda. Portanto, devemos nos colocar no lugar do outro, sempre. Daí a importância de desenvolver nossas qualidades interiores.

Temos responsabilidade com o Universo. Quando ajudamos o outro, temos o sentimento de que estamos em harmonia com a nossa verdadeira natureza. Nesse contexto, a epifania também é uma aparição, pois a gente consegue enxergar algo que possivelmente sempre esteve tão perto e não víamos por imaturidade. O Universo é um lugar mágico e misterioso. É impossível a mente desvendar os seus segredos. A sincronicidade, ou ‘coincidência’, é um deles. Alguns pensamentos surgem do nada, o que leva a pensar que nada nessa vida é por acaso. O que a vida está me dizendo com isso? Talvez atrás de tudo isso haja um ensinamento que precisa ser captado. Com o tempo, a gente se acostuma com alguns aspectos divinos, misteriosos, da realidade. Habituando-se à consciência elevada, a gente vai se aproximando de algumas verdades luminosas. Como prega a Bíblia cristã: “O manso possui a paz, porque, firme em Deus, nunca se perturba”. Também alguém escreveu: “Bela é a pessoa que enxerga a vida com os olhos do coração; bela é a pessoa que tem a essência do Divino em sua alma; bela é a pessoa que traz consigo a Luz verdadeira”.

O sentido da vida é, portanto, a minha realização e, consequentemente, a minha capacidade de promover o Bem. O meu fracasso é, portanto, uma injustiça com os outros e comigo mesmo, bem como ao bem-comum da sociedade, que se torna menos bela. É por isso tudo que hoje eu me sinto responsável pelo Mundo, também, como uma espécie de ‘guia das minhas circunstâncias’. Isso me lembra José Ortega y Gasset, filósofo espanhol: “A união do ‘eu’ e da circunstância é indissociável; é impossível compreender um sem o outro”. Daí sua célebre frase: “Eu sou eu e a minha circunstância; se eu não a salvar, não hei de me salvar”, fazendo referência à força dessa união, a que existe entre quem somos e o que nos rodeia.

Temos uma plenitude dentro de nós que alimenta a paz interior e a serenidade, a cada instante; os eremitas sabem disso, eles sentem-se em harmonia como o seu universo interno. O eremita é um indivíduo que, usualmente, por penitência, religiosidade ou simples amor à natureza, vive em lugar deserto, isolado. Para ele, o silêncio é uma espécie de alimento, também.

Há algo que diz: quando você está pronto, os mestres aparecem. Como lembra o monge Matthiew, é sempre possível encontrar pessoas ao mesmo tempo sábias e compassivas, o que é decisivo, porque o poder do exemplo diz mais do que qualquer discurso. “Essas pessoas mostram o que podemos realizar e provam que é possível tornar-se livre e feliz, de maneira duradoura, desde que se dê atenção a isso”, diz ele. Quem desperta para o sentido transcendental da existência humana experiencia essa verdade universal. Quando chega o tempo em que podemos dar o primeiro passo, o caminho se abre diante de nós.

Sinto-me calmo, preenchido. Quando estou só, experimento um real contentamento a cada instante que passa. Um sentimento de realização que não pode ser substituído por nada, uma satisfação profunda que os estados de dependência ou de saciedade não podem alcançar. Isso não é brincar de autossugestão, mas estar em ressonância com a bondade básica que subjaz em nossa própria essência.




Quando os fatores que contribuem para a felicidade verdadeira estiverem claros para a gente, imagine que eles desabrocham, florescendo na mente. Decida-se a alimentá-los, orienta Matthieu, dia após dia: “Finalize fazendo com que pensamentos de bondade pura envolvam todos os seres vivos”.


Consciência Pura


Como explica Matthieu Ricard, os pensamentos emergem da consciência pura e podem então ser reabsorvidos por ela, como as ondas que emergem do oceano e nele novamente se dissolvem. Compreendendo isso, teremos dado um grande passo na direção da paz interior.

Ainda que não seja fácil experienciar a consciência pura, é possível, garante o monge budista. “Os pensamentos e as emoções escravizam-nos. Observe o que está por trás da cortina dos pensamentos discursivos. Tente encontrar ali uma presença desperta, livre de construções mentais, transparente, luminosa, não perturbada pelos pensamentos vãos.”     

“O objetivo do Homem é tornar sagrada toda a sua vida, ou seja, tornar sua existência plena de significado. O sagrado é a função de dar sentido, resgatar alguma coisa da banalidade, algo além da matéria”, enuncia um dos ensinamentos da ‘Nova Acrópole’, escola dedicada a estudos filosóficos e suas práticas.  

Sim, o mistério divino fala conosco o tempo todo. Nós é que não percebemos, envolvidos com as ilusões, ao invés da busca de valores e sabedoria. Há um conteúdo sagrado que eu devo deixar ao Mundo. Qual será Ele? Qual é a minha missão nesse sentido? O que eu estou buscando? Essas são questões inevitáveis sobre o sentido da vida, e assim que nos indagamos a esse respeito começamos a filosofar...

O sentido da vida? Transformá-la numa espécie de oração, penso eu, então. Alcançar a plenitude da condição humana. Aonde vamos chegar com tudo isto? Ao que nos leva adiante. A vida é inteiramente pedagógica. Os problemas que vivemos contêm um potencial precioso para a transformação. A vida quer nos ensinar algo a todo instante. Por trás da vida existem significados. Vivemos experiências repetitivas sem entender o que temos a aprender. Quem é esse interlocutor oculto que deseja falar comigo? O que ele propõe? Propõe a expansão da minha consciência para eu interpretar a vida; fora isso, tudo é superficialidade. O interlocutor oculto propõe o autoconhecimento, um caminho que ninguém pode fazer por mim.

É muito triste a pessoa que não desperta para o que a vida lhe proporciona indireta e permanentemente. Não desperta porque o foco de sua existência é ninguém perceber o quanto é infeliz, alimentada pelo autocentramento excessivo e com uma compreensão muito limitada do funcionamento da sua mente, tendo mais a se queixar do que transmitir bondade amorosa. O autocentramento nos faz ignorar o outro e suas infinitas possibilidades. Como ensina a filosofia budista, o autocentramento que me ataca é uma fixação exagerada na minha própria paisagem, aliada a diferentes graus de indisposição de incluir o outro. Assim, como é possível viver uma experiência de paz?


O fato de se sentir infeliz requer uma reflexão diária sobre a vida. A prática espiritual pode ser muito benéfica. Há instituições adequadas para auxiliar, com as quais nos identificamos; uma vasta literatura e mesmo amigos (alguns deles surgem providencialmente quando estamos nessa busca). É possível conseguir um treinamento espiritual sério se reservarmos, todos os dias, algum tempo para a contemplação, um olhar para o nosso interior. Somos responsáveis pela escassez que nos aflige. Não nascemos sábios, nós nos tornamos. Todo ser humano tem potencial para a perfeição. O desabrochar desse potencial é a própria realização espiritual. Esse é o sentido da vida: obter um estado profundo de bem-estar, sabedoria e plenitude em todos os momentos, acompanhado do amor incondicional por cada ser, um amor a que eu me disponha, sempre. Gerar e expressar a bondade dissipa o sofrimento, deixando em seu lugar um sentimento duradouro de plenitude. A bondade se desenvolve como reflexo da alegria interior. 

Há algo citando que a busca de sentido é uma parte fundamental daquilo que nos torna humanos. É essencial adquirir uma certa paz interior para que possamos nos conectar com as profundezas do nosso ser, para que possamos identificar sinais do mistério divino em nossa vida.

Qual é a minha aspiração? Há um conteúdo sagrado que eu devo deixar ao Mundo. Qual será Ele? Qual a minha missão nesse sentido? Ter uma vida humana realizada para inspirar outros a mudar o seu modo de ser, isso é possível e necessário.

Porque somente quando nossa percepção está focada no plano superior é possível perceber o sagrado ‘Eu’ (a alma, ‘Self’ ou ‘Atman’) – a consciência onipotente que existe em nosso interior e que podemos abraçar quando soubermos um pouco mais sobre tudo isto. Apenas ali o verdadeiro amor existe. Quando percebermos o ‘Eu’, quando pudermos fazer isto, então as coisas vão fluir como nunca antes. Meditação, contemplação e autorreflexão são caminhos que levam à realização do ‘Eu interior’.

Com base na alquimia chinesa, somente quando nossa percepção estiver focada nos reinos espirituais, quando percebermos o EU, quando nós pudermos fazer isto, então as coisas vão fluir como nunca antes!
Lembrando novamente Matthieu Ricard, cada um de nós pode encontrar um método adequado para trabalhar com os seus processos mentais, e pouco a pouco ir se liberando de emoções prejudiciais até perceber a natureza última da mente. Assim, não deve ser surpresa para nós o fato de que um eremita leve anos para descobrir a natureza última da mente.
O sábio compreende que todos os seres têm o poder de se libertarem da ignorância e da infelicidade, mas não sabem disso!
No mais, inspiro-me na sabedoria de Shantideva, antigo mestre indiano: “Enquanto existir o espaço. E enquanto existirem seres sencientes. Possa eu também permanecer. Para dissolver a miséria do mundo”.
Isto tudo traz muito sentido para a minha vida!

Um comentário:

  1. Obrigado, irmão de buscas que dão sentido à vida. Você, como eu, temos essa missão extraordinária de compartilhar o conhecimento útil. Deus o Abençoe!

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