quarta-feira, 15 de agosto de 2012

RESPONSABILIDADE PARA INTERVIR POSITIVAMENTE NA RELAÇÃO COM O OUTRO

“Deixar de confrontar quando o confronto é necessário para que haja o crescimento espiritual equivale a fracassar no ato de amar”

HÁ PESSOAS que investem permanentemente no autoconhecimento, tornando-se cada vez mais tolerantes, compreensivas, humildes, generosas, pacifistas, enfim, potencialmente produtivas em suas relações humanas ao longo do tempo. São pessoas que vão além do racional, tangível, mensurável.

Tais indivíduos já têm um conhecimento acumulado para lidar com a limitação e o sofrimento dos outros, passando a ser respeitados e reconhecidos, não apenas pelas suas palavras, mas também pelas ações exemplares.

Pessoas dessa natureza costumam dar infinitas provas de amor ao mundo. Porque, ao desenvolver a sua consciência no sentido da compreensão e ampla generosidade, elas não conseguem viver sem que se doem a todo momento.

E elas nada falam sobre o espírito de solidariedade que as anima, porque os outros podem não acreditar ou não dar importância. Podem até pensar: “É louco! Vive de ilusão! Precisa acreditar que pode mudar o mundo!”

Quando o processo da autorreflexão evolui naturalmente, as pessoas, cada vez mais conscientes, sentem necessidade de compartilhar o seu aprendizado. Mas, paralelamente, elas também passam a incorporar a prática do silêncio quando não há receptividade. No entanto, jamais desistem em qualquer circunstância, pois não há como retroceder em seu desenvolvimento: elas precisam trabalhar cotidianamente para levar as pessoas, em sua área de influência direta, ao amadurecimento pessoal e espiritual bem sucedido.

Pessoas assim, com acumulado aprendizado em anos e anos de leitura, experiências interpessoais (por vezes filantrópicas) e práticas religiosas, têm certamente sempre algo a oferecer.

Se perguntarmos a esses que dedicam parte de seu precioso tempo a auxiliar pessoas como eles se sentem, a resposta pode ser em uma única palavra: felicidade. A ponto de sorrirem a sós, tamanha a sensação indescritível de paz interior que experimentam.

É possível acontecer de essas pessoas incomuns atraírem outras pessoas especiais para o seu convívio por conta da afinidade, da natureza interior de ambos, de propósitos semelhantes. Muitos percebem que podem se enriquecer pessoal e espiritualmente ao lado delas.

Pessoas incomuns podem, não raramente, deparar-se com alguém que surge em sua vida sem fazer alarde, sem forçar qualquer relação de amizade, de início pouco conversando, embora quase instantaneamente percebam um acolhimento recíproco difícil de explicar. Sempre que se reencontram, a alegria se manifesta num forte aperto de mão, em um abraço ou apenas em um olhar expressivo que dá conta da felicidade do encontro. O que nos leva ao saudoso poeta Vinícius de Moraes: “A gente não faz amigos, reconhece-os.”

Rabindranath Tagore 
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Em sua obra “O homem que veio da sombra”, escreve o pensador Luiz Gonzaga Pinheiro: “Evolução: é quando a gente está lá na frente e sente vontade de buscar quem ficou para trás”. E então vem Rabindranath Tagore - poeta, filósofo, pintor, pacifista... -, e diz: “Senhor, dá-me forças para que meu amor frutifique em serviços”. Prêmio Nobel de Literatura em 1913, o indiano Tagore chegou a ser aclamado por Mahatma Gandhi como “o grande mestre”.

Já li algumas vezes que, quando alguém vai alcançando estágios de pensamento mais lógicos e sensatos e se diferencia do senso comum, deve tornar-se responsável pela evolução de outras pessoas de seu convívio, ainda que elas sintam-se contrariadas num primeiro momento. Apesar de ser difícil conviver com limitações e/ou maus hábitos de pessoas próximas, é preciso tomar coragem para conversar com elas, tentar orientá-las. E se as pessoas não estão interessadas ou prontas para assimilar uma intervenção dessa natureza em suas vidas, se não aceitam “conselhos”, sobretudo de familiares, aquele que já está mais “desperto” deve permanecer atento ao momento certo de intervir, de ajudar sem incomodar. Amigos leais costumam ser mais ouvidos, ainda que raramente tenham coragem de provocar rupturas capazes de levar o outro à autorreflexão e crescimento.

A orientação dos mais sábios é que não devemos ficar calados, por comodidade, quando convivemos com pessoas com algum tipo de limitação. Devemos buscar o diálogo inteligente com elas, com o propósito de contribuir para o seu progresso pessoal e espiritual. Por outro lado, se as pessoas não amarem genuinamente quem necessita da orientação, a disposição para ouvir e a autocorreção do outro pode não acontecer.

Em sua obra “A trilha menos percorrida”, o psiquiatra americano M. Scott Peck fala mais apropriadamente sobre essa tal responsabilidade. Ele chega até mesmo a dizer que é possível que qualquer pessoa com grande capacidade de amar tenha condições de alcançar resultados iguais aos de um terapeuta.

RESPONSABILIDADE QUE LEVA AO CRESCIMENTO DO OUTRO

“SE PERCEBO que minha esposa, meus filhos, parentes ou amigos estão sofrendo de uma ilusão, mentira, ignorância ou impedimento desnecessário, tenho tanta obrigação de me esforçar para corrigir aquela situação como tenho em relação aos meus pacientes, que pagam por meus serviços. Devo recusar minha experiência, meu conhecimento e amor aos amigos e familiares apenas porque não me contrataram nem pagaram por minha atenção às suas necessidades psicológicas? Dificilmente”, observa o psiquiatra M. Scott.

Em “A trilha menos percorrida”, o doutor M. Scott declara: “Como posso ser um bom amigo, pai, marido ou filho se não aproveito as oportunidades para tentar, com o talento que possuo, ensinar aos meus entes queridos o que sei e ajudá-los como puder em suas jornadas de crescimento espiritual? Além disso, espero os mesmos serviços deles. Embora suas críticas possam ser desnecessariamente duras e seus ensinamentos menos ponderados que os dos adultos, aprendo muito com meus filhos. Minha esposa me orienta tanto quanto eu a oriento”.

O psiquiatra não chamaria seus amigos de amigos se lhe negassem a honestidade de sua desaprovação e preocupação amorosa com a sabedoria e segurança dos rumos da sua própria jornada. “Não posso crescer mais rápido com a ajuda deles? Todo relacionamento realmente amoroso é de psicoterapia mútua”.

M. Scott salienta que, para prosseguirmos em nossa jornada de crescimento espiritual, nossa capacidade de amar precisa crescer cada vez mais. Mas será sempre limitada, e não se deve tentar analisar alguém além da nossa capacidade, já que a psicoterapia (a conversa) sem amor será malsucedida e até mesmo prejudicial.

Pacientes costumam responder do mesmo modo quando o doutor Scott observa que todas as interações humanas são oportunidades para aprender ou ensinar (para ministrar ou receber terapia), e que quando não aprendem ou ensinam numa interação estão desperdiçando uma oportunidade. “A maioria dos pacientes, mesmo nas mãos dos terapeutas mais hábeis e amorosos, encerram a terapia antes de realizar completamente seu potencial. Podem percorrer uma pequena ou grande distância rumo ao crescimento espiritual, mas a jornada inteira não é para eles. É, ou parece ser, difícil demais. Contentam-se em ser homens e mulheres comuns e não lutam para ser divinos”, considera o médico.

O RISCO DO CONFRONTO

De acordo com o doutor Scott, para muitas pessoas é fácil dizer: “Estou certo, você está errado, deveria agir de maneira diferente.” Pais, parceiros e pessoas que vivem diversos outros papéis fazem isso rotineira e casualmente, criticando o tempo todo, a torto e a direito. Entretanto, a maioria dessas críticas e confrontos – em geral realizados impulsivamente, com raiva ou irritação – contribuem mais para confundir do que para esclarecer.

O psiquiatra explica que o indivíduo verdadeiramente amoroso, valorizando o caráter único e diferente do outro, relutará em presumir: “Eu estou certo, você está errado; sei o que é melhor para você.” Mas, continua o médico, “a verdade é que às vezes uma pessoa sabe de fato o que é melhor para a outra e se encontra em uma posição superior de conhecimento ou sabedoria no que diz respeito a certo tema.”

“Nessas circunstâncias, a mais sábia tem a obrigação de confrontar a outra. A pessoa amorosa, portanto, vive um dilema, dividida entre o respeito amoroso pelo caminho do ser amado na vida e a responsabilidade de exercer uma liderança afetiva quando o ser amado parece precisar dela”.

Para esse autor, há um grande número de indivíduos que por uma ou outra razão aprenderam a inibir sua tendência instintiva a criticar ou confrontar com arrogância espontânea, mas que não vão além disso, escondendo-se na segurança moral da humildade, nunca ousando assumir o poder.

M. Scott crê que deixar de confrontar quando o confronto é necessário para que haja o crescimento espiritual equivale a fracassar no ato de amar – tanto quanto a crítica ou condenação impensada e outras formas de privação ativa de afeto. Se amam os filhos, os pais devem, talvez gradual e cuidadosamente, mas sempre de maneira ativa, confrontá-los e criticá-los de vez em quando, bem como permitir que eles os confrontem e critiquem. De igual modo, cônjuges amorosos devem repetidamente confrontar o outro para que o casamento promova o crescimento espiritual de ambos.

Em seu livro, o psiquiatra ensina que confrontar uma pessoa com alguma coisa com que ela não pode lidar será, na melhor das hipóteses, uma perda de tempo, e provavelmente terá um efeito negativo. “Se queremos ser ouvidos devemos usar uma linguagem que o outro possa compreender e em um nível em que seja capaz de operar. Se queremos amar, devemos nos esforçar para ajustar nossa comunicação às capacidades do ser amado”.

Por outro lado, o médico relata: “Está claro que exercer o poder com amor exige muito esforço, mas qual é o risco envolvido? O problema é que quanto mais uma pessoa é amorosa, mais humilde ela é. E quanto mais é humilde, mais se espanta com o potencial de arrogância do exercício do poder. Quem sou eu para influir no rumo dos acontecimentos humanos? Que autoridade tenho para decidir o que é melhor para meu filho ou cônjuge, para meu país ou para a raça humana? Quem me dá o direito de ousar acreditar no meu próprio entendimento e impor minha vontade ao mundo? Quem sou eu para brincar de Deus? Esse é o risco, pois sempre que exercemos o poder estamos tentando influenciar o curso do mundo, da humanidade e, portanto, brincando de Deus”. E observa o escritor: “Chegamos, então, a um outro paradoxo: só pela humildade do amor, os seres humanos podem ousar ser iguais a Deus”.

E mais: “Se amo uma pessoa verdadeiramente, é claro que me comportarei de modo a contribuir o máximo possível para seu crescimento espiritual”, complementa o psiquiatra M. Scott Peck.

Não deixem de ler “A trilha menos percorrida” em sua totalidade. A obra é muito indicada para o entendimento e enriquecimento do relacionamento humano como um todo.

Texto: Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com

Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com

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